Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Equívocos a respeito de Emmanuel Mounier e o personalismo.

Muitas idéias que são identificadas como ideias de Emmanuel Mounier ou como ideias do personalismo mouneriano, não podem ser identificadas como tais.
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O grande problema das indevidas atribuições dadas a Mounier, reside principalmente no epíteto, “personalismo”, que identifica o pensamento do pensador de Grenoble.
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Por personalismo, comumente, entende-se como: “atitude ou conduta de quem refere tudo a si próprio”, e, como personalista, vulgarmente entende-se como: “pessoal, individual ou egocêntrico"(1). Por essas abordagens advindas do senso comum, crê-se erroneamente ser o personalismo de Mounier, uma doutrina baseada na individualização do ser humano diante da realidade que o cerca, uma espécie de individualismo indiferente, fechado em conceitos subjetivos”.
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Também alguns autores qualificam erroneamente o engajamento personalista, na defesa do estado francês, contra uma cultura externa dominante – como um movimento de ação ultra direita.
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O personalismo também é indevidamente considerado uma filosofia antimarxista e antiexistencialista.
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Sobre o termo personalismo aplicado ao pensamento filosófico de Emmanuel Mounier, ele se distancia do termo usual. O personalismo de Mounier é uma filosofia do homem situado. Diferente do subjetivismo individualista, ou da ação egocêntrica da exaltação da personalidade individual diante de uma comunidade, o personalismo francês situa o homem diante de seu contexto existencial, incitando-lhe, por estar situado em um contexto específico, a se engajar em prol do meio em que se está inserido. Nessa descoberta, não pode haver mandonismo e culto a personalidade, porque, percebendo-se como uma pessoa em meio a outras pessoas, o cidadão personalista percebe que o seu compromisso no meio de pessoas com suas pessoalidades, é, justamente, garantir a dignidade a cada uma delas, coisa essa que constrange uma possível exaltação forçosa da sua personalidade ou de suas ideias.
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No que se refere a opinião de alguns comentaristas de ser o engajamento de Mounier coadunado a um movimento de ação ultra direita francês, é um pensamento inadequado, pois, o grande influxo do pensamento de Emmanuel Mounier, foi humanismo marxista e existencialista. Ser um nacionalista, aos modos de Mounier, não significa necessariamente ser um adepto de uma política ultra direita, pelo contrário, no contexto histórico em que se encontrava, lutava ideologicamente para salvar a França do domínio de uma nação efetivamente, ultradireitista, a nazista Alemanha. Em seu livro “manifesto serviço do personalismo”, vemos explicitamente sua rejeição aos fascismos, movimento caracterizado como ultra direitismo. Dissertando sobre dois modelos vigentes em sua época, de orientação facista, Mounier afirma:
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"Assim, de um lado como do outro, vemos a independência e a iniciativa da pessoa, ou negadas, ou constrangidas nas exigências de uma coletividade, ela própria ao serviço de um regime. Os facistas, não obstante, não saem de modo algum do plano individualista. Eles nasceram em democracias esgotadas, cujo proletariado, aliás, se encontrava muito pouco personalizado. Eles são a febre e o delírio resultante desse estado de coisas. Uma massa de homens desprotegidos, e sobretudo desamparados de si próprios, chegaram a esse ponto de desorientação em que só lhes restava um único desejo: A vontade, frenética à força de esgotamento, de se desembaraçarem da sua vontade, das suas responsabilidades, da sua consciência, depondo-a nas mãos de um Salvador que julgará em lugar deles, deliberará em lugar deles, agirá em lugar deles. Nem todos são, certamente, instrumentos passivos desse delírio, que, chicoteando o país, despertou energias, suscitou iniciativas, elevou o tom dos corações e a qualidade dos atos. Mas isso é apenas uma efervescência de vida. As opções derradeiras, as únicas que forjam o homem na liberadade, permanecem à mercê da coletividade. A pessoa é espoliada: já o era na desordem, é-o agora, por uma ordem imposta. Mudou-se de estilo, não de plano." (2)
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Sua afirmação em destaque, deixa bem clara sua desaprovação aos sistemas totalitaristas ultradireitista, facista e nazista
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Continuando no mesmo raciocínio, é também imprópria a assertiva que coloca o personalismo como uma filosofia antimarxista e antiexistencialista, porque, estes sistemas, longe de causarem asco em Mounier, despertaram em seu espírito o interesse em abordar o ser humano e suas demandas, de forma situada e personalizada.
Sobre o marxismo, apesar de Mounier entender que o personalismo o ultrapassa, ou seja, além de levar em conta sua chamada de atenção, percebe e problematiza questões desprezadas pelo marxismo, mesmo assim, Mounier o tinha em grande consideração. Percebe-se essa realidade na sua seguinte afirmação de Mounier citada por R. Cosso:

“É um ponto, escreve ele, em que realismo personalista muito se aproxima do método marxista, de seu esforço para livrar os problemas da história do à priori e para unir o conhecimento a ação”.(3) .

Podemos também perceber a aproximação de Mounier ao existencialismo, até mesmo na interpretão que faz a filosofia existencialista. Sobre o existencialismo, afirma Mounier:

“é uma reação da filosofia do homem contra os excessos da filosofia das idéias e da filosofia das coisas”
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Mesmo não se limitando aos ideários marxistas e existencialistas, Mounier, continuou tratando e abordando as preocupações contidas nestes sistemas dando um tratamento personalista. .

Apesar de levar as questões a caminhos por vezes diferentes dos que levavam os dois sistemas, a relação de Mounier com o marxismo e com o existencialismo era dialogal, longe de ser uma interrupção de diálogo.
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(1) Dicionário Aurélio - Século XXI. Nova Fronteira - versão 3.0.
(2) Mounier, Emmanuel. Manifetos ao serviço do personalismo.Lisboa: Livraria Moraes editora. 1967.
(3) DOMENACH, Jean Marie – LACROIX, Jean – GUISSARD, Lucien – CHAIGNE, Hervé – COUSSO, R – TAP, Pierre – NGANGO, Georges – PELISSIER, Lucien. Presença de Mounier. São Paulo: Duas Cidades, 1969.
(4) MOUNIER, Emmanuel. Introdução aos existencialismos. Lisboa: Moraes editora. 1963.
NETO, Henrique Nielsen. Filosofia Básica. São Paulo: Atual Editora Ltda, 1986. 3.ed.
SEVERINO, Antonio Joaquim. A antropologia personalista de Emmanuel Mounier. São Paulo: Saraiva, 1974.
MOUNIER, Emmanuel. O compromisso da fé. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971.
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