Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Personalismo comunitário.

Envolvimento comunitário significa envolvimento de pessoas com pessoas, conhecer uma comunidade é o mesmo que conhecer pessoas. Também é correto afirmar que só conhecemos os problemas de uma comunidade se conhecermos os problemas das pessoas que integram a comunidade, ademais, nunca podemos tratar a comunidade como um organismo em-si, independente, mas, pelo contrário, devemos tratá-la como um organismo abarcador de pessoas, essas, por sua vez, a essência da comunidade.
Se enxergarmos na comunidade um ser completo e definível em si, estamos ignorando o princípio fenomenológico do ser, que é uma coisa formada de coisas ou como expressou Heidegger com mais qualidade, “ser é sempre ser de um ente”, portanto, não podemos encerrar uma abordagem comunitária apenas com um enfoque macro-comunitário numa tomada panorâmica, porque comunidade é sempre comunidade de pessoas, e como tal, para conhecer a realidade comunitária, faz-se necessário conhecer a realidade das pessoas, portanto o enfoque deverá ser tomado do micro, da pessoa para a comunidade, nunca o contrário, pois não é a comunidade que forma as pessoas, mas são as pessoas que formam a comunidade, pessoas essas com suas histórias, suas demandas e necessidades peculiares, necessidades essas que só podem ser percebidas a partir de uma análise intimista, analise que alcança a pessoa, não de uma análise distante, a partir do coletivo.
.Quando nos distanciamos das pessoas, nos distanciamos de nós mesmos e nessa atitude, todas as nossas necessidades deixam de ser tratadas, porque, deslocados de nosso mundo pessoal comunitário onde as reais necessidades pessoais são percebidas, porque nosso ser real está ai encarnado, somos arrastados para o mundo impessoal, do ser desencarnado, do não ser, onde nossa essência é ignorada e totalmente ostracizada. Por sair da vivência do mundo comunitário e encarnado não percebemos as nossas necessidades, porque no mundo do não ser, desencarnado, a necessidade do ser jamais será tratada pelo simples fato de não ser percebida. Nesse mundo, nosso verdadeiro ser fica perdido, oculto pelo não ser impessoal. Nessa ambiência, até mesmo o verdadeiro Deus, o Deus pessoal que se relaciona, é preterido por deuses vazios, deuses do não-eu, da descaracterização pessoal, das exigências não vitais ao ser-pessoal, deuses que quando idolatrados, impedem a manifestação efetiva do ser pessoal, manifestação essa que já seria a própria derrubada dos deuses da impessoalidade já citados.
.Estando fora da comunidade de pessoas, o homem, transformado pela força do condicionamento em sujeito impessoal, além de não perceber suas reais necessidades, não percebe também as exigências da vida comunitária e, consequentemente, vai fugindo de qualquer forma do engajamento pró-comunidade, justamente por não se sentir nem participante e muito menos responsável das coisas que o cercam.
.Participando de uma festa de aniversário, pude observar a realidade da pessoa personalista comunitária, e como tal, pessoa que existencialmente se encontra e se percebe quando se perde na exigência de outras pessoas, na exigência comunitária.
Afadigado pelas tarefas diárias, achei que estar na referida festa, considerando o meu estado, seria-me pesaroso, na minha mente, o melhor para mim, pelo menos naquele momento seria o descanso. Não que me faltou vontade de ir a festa, mas estava ausente em mim com muito destaque, disposição física e mental, devido a labuta muito puxada. Mas por considerar muito a aniversariante, uma grande amiga, eu fui. Já nos primeiros preparos para a festa, no encontro com outro amigo que para lá ia, juntamente com a minha família, minha disposição sofreu uma pequena transformação, que se completou quando lá cheguei e avistei meus grandes amigos na qual se incluía a aniversariante, que por sinal estava muito feliz com a presença de seus, igualmente, amigos.
.A gradual transformação que sofri, foi em mim encarnada pela minha ansiedade em cumprimentar os amigos logo na chegada, e foi evoluindo no prazer em escutá-los e também em trocar ideias com eles, em ver a alegria da aniversariante, em falar coisas sérias e assuntos descompromissados, em sorrir com eles, enfim na alegria de estar ali, na festa que outrora eu não aspirava e por me perder na exigência comunitária, pois minha amiga estava aniversariando, e lá também estariam os meus amigos, eu deveria estar com eles; esta foi para mim uma exigência comunitária, que me fez perder nos meus amigos, mas consequentemente me fez, achar-me a mim mesmo, porque, a alegria em mim, motivada pela presença de meus amigos, indicou que eu precisava deles, que eles são muito importantes para a construção da minha história, que com eles minha vida é mais rica, sendo assim, me perdendo nos outros, eu me encontrei, perdendo-me no outro eu me enriqueci, ou, a minha vida se faz mais rica quando envolvida com a vida deles.
.Depois desses momentos, estava bem clara para mim a noção de personalismo comunitário definido na assertiva de Mounier: “a pessoa só se encontra quando se perde”. Só quando saímos do nosso mundinho das lógicas dos “primeiro os meus problemas”, “cada um na sua”, “cada um com os seus problemas”, perceberemos, no envolvimento personalista, pessoal e comunitário, que nossos problemas se apequenarão; também, a maior parte das necessidades vitais do nosso ser serão desveladas no contato e envolvimento com outras pessoas, contato esse que nos tirará do vazio do mundo impessoal nos dando a satisfação da sensação de localização existencial, tirando a angústia da falta de sentido existencial que dantes vivenciávamos.


­.“Todas as experiências conduzem ao mesmo ponto: impossível atingir a comunidade esquivando-se da pessoa, impossível fundar a comunidade sobre algo que não sobre pessoas solidamente constituídas". (Emmanuel Mounier)


.Lailson Castanha
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MOUNIER, Emmanuel. O personalismo. 3. ed. Santos: Martins Fontes, 1974.

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