Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Diálogo personalista com as questões contemporâneas

DIÁLOGO PERSONALISTA COM AS QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS

Toda conceituação filosófica é fruto da busca de respostas a problemas que surgem ou que são reavivados. Na ânsia de solucionar os problemas, escolas ou filósofos sistematizam ideias que vão de encontro aos problemas levantados.

O movimento filosófico personalista, na pessoa de vários filósofos, dentre os quais, Emmanuel Mounier, Jean Lacroix, Jean-Marie Domenach, dentre outros, surgiu, também, como tentativa de responder as questões que se levantavam na ambiência histórica e social em que estava inserido. Diferente das demais escolas de pensamento da filosofia personalista não foi formatada em uma estrutura rígida de ideias, sistematizadas e fechadas em conceitos deterministas.

Emmanuel Mounier e os demais filósofos personalistas participantes do círculo da Revista Esprit, construíram um sistema filosófico, por mais paradoxal que pareça, sem as tradicionais sistematizações enrijecidas, conceitos fechados e estruturas rígidas. Com esse modelo flexível, os filósofos personalistas procuraram dialogar com as filosofias que se mostraram relevantes, principalmente o marxismo e o existencialismo. Foi neste caminho que se deu o diálogo personalista com as questões que se levantaram na Europa do pós I Grande Guerra e pré/ meados e pós II Grande Guerra Mundial.

A aproximação com os dois maiores pensamentos da Filosofia do Ocidente Contemporâneo, a saber, o marxismo e o existencialismo, se deu justamente porque tratavam das questões do homem enquanto participante da existência, sendo que a questão que se levantava, era a crise da civilização humana contemporânea engendrada pela crise dos valores, e por consequência, a crise da pessoa humana. Se preocupando com o homem enquanto sujeito existente, as filosofias marxistas e existencialistas tinham muito a colaborar com os pensadores que buscavam o diálogo com a finalidade de lutar contra a crise que se agigantava engendrada, pelo o que Mounier tratou como: desordem estabelecida.

O diálogo então se deu nos termos personalistas, com acolhimento e afrontamento. Isso significa que o diálogo era efetivo, e como tal, nem todas as posturas e colocações eram aceitas e nem todas rejeitadas. O personalismo acolheu a chamada de atenção do existencialismo e do marxismo em relação ao esquecimento do homem existente, do homem do devir, por parte das demais filosofias, mas afrontou a postura demasiadamente materialista, que reduziam o homem e eliminava a sua possibilidade de transcendência, e no caso,mais especificamente do marxismo, além do apego exagerado ao materialismo em detrimento as questões espirituais/metafísicas, a valorização da ação coletiva, em detrimento a ação do homem como pessoa humana e de suas escolhas pessoais.

Ainda hoje o diálogo personalista com a realidade que nos cerca deve ser baseado na dupla atitude de acolhimento e afrontamento. Deve-se acolher seriamente as questões e propostas que se levantam, procurando conhecê-las profundamente. A partir disso, é necessário afrontar a situação reinante que se mostra caótica, ou aquelas propostas que não trazem uma resposta adequada para o problema levantado.

Não existe no personalismo, nenhuma busca de entendimento e solução a qualquer tipo de problema, sem a construção de um diálogo com todas as partes envolvidas na ambiência do problema. A natural atitude personalista frente aos problemas frente a realidade que se constrói é a de acolhimento e afrontamento.
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*Foto: Emmanuel Mounier, Yvonne Leenhardt, Max-Pol Fouchet e Loÿs Masson em Lourmarin, em setembro de 1941.
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terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nicholas Berdiaeff

NICHOLAS BERDIAEFF

Berdiaeff, Nicolai Aleksandrowitsch

Biogr. Filósofo e escritor russo, nasceu em Kiev a 09/03/1784 e morreu em Clamart, França, a 23/03/1948. Estudou nas universidades de Kiev e de Heildelberg, sendo nesta última discípulo do filósofo e historiador Wildelband. Lecionou economia na Universidade de Moscou e foi u dos fundadores da sociedade filosófica-religiosa russa.
Adepto do movimento comunista, o governo czarista desterrou-o para a província de Vologda, após a revolução de 1917, abandonou as ideias comunistas, sendo expulso de sua pátria em 1922. Foi para Berlim e, em 1924, para Paris.

Obras principais: A significação da faculdade criadora (1916); Filosofia da desigualdade (1922); O significado da Hístória (1923); A nova Idade Média (1924); O cristianismo e os problemas do comunismo (1935); Reino do Espírito e Reino do César (1948).

Apreciação: Considerado um dos expoentes da filosofia russa do século passado, foi influenciado por Kieeekegaard e Dostoiewsk, tendo explicitado o que virtualmente continha de filosóico a obra deste último. Julga que sua filosofia “é a filosofia da liberdade, filosofia do ato criador, filosofia personalista, do espírito, filosofia existencial”.
Para Berdiaeff, conforme a exposição que de suas concepções faz “sciacca”, a liberdade é o homem todo: é anterior a razão, mais profunda que esta, misteriosa. A razão suprime o mistério, a liberdade alimenta-o. É conquista ininterrupta do Homem, movimento do não-ser ao ser.
No mundo em que vivemos, a liberdade afirma-se como rebelião, revolta, audácia de dizer não. Separa-se do ser e pretende tornar-se autônoma: é a liberdade de lúcifer que raia no puro nada, ou a liberdade do capricho que termina em escravidão. Esta liberdade, vinculada à matéria e ao tempo, precisa ser convertida na outra, na liberdade do espírito, que é o impulso do amor, liberdade de união, liberdade final É a liberdade de Adão regenerado: a liberdade que é a busca do puro amor.

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Fonte:
Enciclopédia Brasileira Globo (nº III). Porto Alegre: Globo, 1971. 12ed.

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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Um pouco mais de Jean-Marie Domenach

UM POUCO MAIS DE JEAN-MARIE DOMENACH
The Independent
Obituário: Jean-Marie Domenach.
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Douglas Johnson
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Segunda-feira, 14 de julho de 1997.
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Jean -Marie Domenach nunca se esqueceu de 27 de julho de 1944. Seu melhor amigo Gilberto Dru foi baleado pela Gestapo em Lyon. Naquele dia seu corpo foi exibido na praça Bellencour, no centro da cidade. Ao lado estava o corpo de outros combatentes da Resistência; um companheiro da social católica, um oficial do exército secreto, um comunista e um homem desconhecido.
Para Domenach, este era o símbolo de um movimento de resistência que foi unido. Toda a sua vida como jornalista, escritor e uma força pública, lutou pela unidade entre os homens de razão . Ele acreditava que aqueles que estavam totalmente engajados na vida da sociedade e nas atividade do Estado poderiam juntos defender os direitos dos homens. Este idealismo foi inspirado em sua maior parte por Emmanuel Mounier, e por sua revista mensal, Esprit, que fundou em 1932, que continua a ser publicada a mais de 47 anos após a sua morte.
Domenach foi educado em colégio de jesuítas em Lyon e mais tarde fez exame de admissão para a Ecole Normale Superieure no Lycée du Parc. Foi lá que ele conheceu a Esprit e começou a acompanhar com os estudantes, as reuniões que foram organizadas em seu nome.
Se opôs ao nazismo, mas também foi contrário ao tipo de democracia parlamentar, caracterizado pela Terceira República. A combinação para a sua ida ao colégio especial de treinamento na Uriage Vich, que fora formada para criar uma elite governante que pusesse em prática as ideias da Revolução Nacional de Pétain. Mas Uriage tornou-se cada vez mais anti-alemão e a opor-se a colaboração com os alemães e a Laval, instinto em Dezembro de 1942.
Domenach já tinha entrado no que ele próprio chamou de semi-resitência com uns dos ediores da La Cahiers de Notre Jeunesse (um título que deliberadamente levou o eco de Charles Péguy, o herói dos democráticos e sociais católicos) - o tipo de controversa que surgiu e que passaria a seguir Domenach em toda a sua vida. Caso dos dos católicos, que intentavam se associar à classe trabalhadora, deveriam trabalhar em vão na Alemanha, como decretou a Lei Vichy? Ou deveria sobrepor-se ao patriotismo em solidariedade à classe trabalhadora? Domenach escolheu o último, e expressando essas opiniões, os Cahiers foram suprimidos .
Em Julho de 1943 ele se juntou ao movimento de resistência no Vercors. Não pela última vez, encontrava-se em desacordo com com a hierarquia católica, sendo obrigado a encontrar suporte em algum sacerdote que tinha muitos seguidores - que ele chamou de "grosse soutane " (batina grande).
Após a guerra, ele começou a trabalhar para a Esprit , tornando-se editor em 1949, e seu editor chefe no período de 1556-1977. Deu-lhe um vigor e determinação fazendo-a proeminente entre as revistas , embora sua circulação ainda seja pequena (estima-se aproximadamente 20.000). A sua associação a editora Les Éditions du Seuil (para a qual também trabalhou Domenach) deu-lhe uma certa instabilidade financeira.
É normalmente descrito como sendo "católico" embora um dos seus primeiros princípios sempre foi nunca ser "confessionário". Domenach em particular se preocupava em não ser associado ao Partido/movimento Popular Republicano (MRP), criado em Novembro de 1944, que dizia ser um partido social católico. Ele aceitou este movimento como sendo de inspiração cristã, mas não como uma organização. Muitas vezes ele desdenhosamente citou o o líder do partido, Georges Bidalt, com o adágio: "as mulheres votarão todas em nós e teremos mais do que cem deputados. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Ele não queria que a Esprit pertencesse a tal homem.
Tampouco fez parte do MRP anti-comunismo e anti-sovietismo. Em 1948-1949 ele foi a favor do reconhecimento de Tito como líder legítimo Comunista de Iugoslávia, apesar de sua condenação por Moscou. Em uma reunião de ex-combatentes da resistência, ele foi denunciado como alguém que se desviou para o campo americano; ele aceitou isso, fato pelo qual, posteriormente, fora humilhado. Subsequentemente estava por demais pronto para receber qualquer oponente do poder soviético. Em 1968 ele voltou a Praga entusiasmado com Dubcek e a "primavera de Praga". Ele o chamou de Gaulle (que admirava) e recebeu uma ducha de água fria em relação a realidade das posições de Dubcek.
Foi difícil de agradar Domenech. Assim, ele era extremamente a favor de Mendes France que chegou ao poder, embora o líder radical estivesse na oposição tradicional aos partidos católicos. Ele apoiou o fim da Guerra na Indochina. Mas, quando Mendes France não consegue chegar a Comunidade Europeia de Defesa, por meio de assembleia, se opõe a ele. Foi totalmente contra os acordos posteriores feitos por Mendes France que envolveu o rearmamento da Alemanha.
Na Argélia, foi um artigo escrito por Domenach, em 1954, que alertou France para a iminência de uma guerra em grande escala. Ele denunciou amargamente a tortura como uma arma utilizada pelo exército francês. Apoiou a ideia de uma paz negociada, assim como, outros exemplos de descolonização gaullista. Mas era sempre crítico a qualquer aproximação francesa com a China, que parecia aprovar a natureza da revolução chinesa.
Leitores tanto na França como no estrangeiro, voltaram (como ainda o fazem) a Esprit para encontrar os artigos, que eram honestos, analíticos e objetivos. Assim, em 1968, apesar de não estar cego aos defeitos do movimento de estudantes, defini-o como uma crítica de uma sociedade em nome do desejo de ser livre. Durante os anos de prosperidade, Domenach descreveu como a mudança dos meios de produção estavam afetando a sociedade francesa. Ele estava sempre cosnciente das divisões, e, sempre a procura de unidade.
Permaneceu como professor de Ciências Sociais na Escola Politécnica até 1987. Viu a vitória de Miterrand como sendo comprada por votos católicos. Era defensor vigoroso da Doutrina Social de Jacques Delors, como sucessor de Miterrand.
Como era típico de Jean-Marie Domenech, quando estava na Inglaterra em 1960, depois, eu descobri que ele não queria falar sobre gaullismo, mas desejava me perguntar sobre minha experiência ao ensinar para a associação educacional dos trabalhadores.
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Douglas Johnson.
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JEAN-MARIE DOMENACH, foi um escritor e intelectual francês. De 1957 a 1976, dirigiu a Revista Personalista Esprit, fundada por Emmanuel Mounier. Foi professor de ciências humanas na Escola Politécnica, onde fundou o Centro de Pesquisas de Epistemologia Aplicada. É, também, autor de diversas obras.
Inseparável na revisão Esprit e do movimento personalista fundado por Emmanuel Mounier.
O nome de Jean-Marie Domenach também permanecerá associado a uma série de recusas e compromissos que fizeram dele um homem de fé e de lealdade. Nascido em Lyon em 13 de Fevereiro de 1922, nesta cidade, durante os anos 1940-1942, escreveu e distribuiu panfletos denunciando a submissão francesa ao ocupante nazista, impediu um alvoroço memorável no La Scalla na projeção do filme anti-semita süss judeu, e apela ao boicote à STO no Jornal de nossa juventude, lançado com Gilbert Dru e Andre Mandouze.

Domenach lutou com Mounier até a sua morte, em 1950 e após a perda do amigo, continuou sua luta, que incluiu a aceitação do posto de editor da Esprit. Escreveu vários obras, das quais, destacamos algumas editadas em língua portuguesa:

Abordagem à modernidade, As ideias contemporâneas, A propaganda política, Catolicismo de Vanguarda, entre outros.

Jornalista e escritor, Jean-Marie Domenach, nascido em Lyons em 13 de fevereiro de 1922, casou-se com Nicola Flory com que teve três filhos e uma filha; morreu em Paris em 5 de julho em 1977.
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Tradução e adaptação: Lailson Castanha
Para download:
A propaganda política
http://cultvox.locaweb.com.br/livros_gratis/apropagandapolitica.pdf
La Propagande Politique: um ensaio sobre a obra de Jean-Marie Domenach – por Karl Schurster V. S. Leão http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=3496

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sensações...

SENSAÇÕES

A vida é por demais, complexa e complicada, fazendo a empresa de tentar entendê-la tornar-se quase que impossível. Por mais que tentamos entender todos os processos que a envolvem ficamos ainda mais confusos em relação a sua significação. O seu vai e vem interminável, imprimindo-nos ritmos e novidades que parecem inapropriados para o a nossa estrutura nos cansa de tal forma que a sua continuação faz nascer em nós, ou pelo menos em mim, uma sensação de invasão, de assalto – como se algo que nos é vital fosse roubado, fosse tirado de nossas mãos.
Pessoas entram, pessoas saem de nossa vida, coisas acontecem ou deixam de acontecer, situações inadequadas, inapropriadas, sensações estranhas ou ocasionais – tudo isso soa incomum quando o momento é desarmonioso – na harmonia, até o aparente desarranjo torna-se um sofisticado arranjo na plural orquestra da vida.
A invasão de ideias e práticas desconexas fez com que meu ceticismo em potência se atualize. Hoje me sinto incrédulo, vejo incoerências em quase todas as manifestações humanas, sinto que poucas são as razões para me fazer crer ao contrário. Um grande pacote de manifestações vazias tem visitado a minha existencialidade – teologias formais e vazias, onde o dogma bem arranjado não condiz com o credo vivenciado, filosofias desencarnadas (livrescas), aparência de conteúdo para vazios existenciais e culturais, manifestações verbais desassociadas das práticas – o excesso de aparências tem me ressequido, quase não encontro alimento sadio para a minha alma, não confio nas comidas oferecidas na feira da existência – encontro muito agrotóxico, calorias e poucos nutrientes. Amizades sem amigos, irmandade sem irmãos, cristianismo sem Cristo e demais formas de inautênticas de ser configuram o pano de fundo do meu contexto existencial.
Por isso, revolto-me profundamente, num mundo onde revoltar-se é apenas uma manifestação superficial contra um desconforto superficial.
Revolto-me contra os “nãos” que se dizem “sim”, o “não-ser” que se afirma “ser”, o contraditório que se apregoa coerente, contra toda forma de afirmações e manifestações contraditórias. Mães que não afagam, pais que não orientam, casais que não compartilham. Romances sem amor, religião sem auxílio, filosofia e teologia sem práxis. Tudo isso alimenta o meu ceticismo, atualiza a minha incredulidade. Sou crédulo apenas em alguns aspectos que a vida me afeiçoou, e a esses, prefiro protegê-los contra o alcance do toque sistêmico da morte – digo morte, não a física, mas aquela que desintegra os valores das ações, que faz murchar a beleza da simplicidade e intimida o livre trânsito da pureza.
Assim me sinto, e, creio que, por tudo o que vejo, irei me aprofundar ainda mais neste insosso ceticismo. Não aspiro muita coisa – a modo de Manuel Bandeira – “quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples” (1).

Lailson Castanha
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BANDEIRA, Manuel. A estrela da vida inteira – poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987. 14 ed.
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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Landsberg, o personalista perseguido

LANDSBERG, O PERSONALISTA PERSEGUIDO

Paul-Louis Landsberg nasceu em Bonn, em 1901. Tendo concluído seus estudos, tornou-se professor de Filosofia na Universidade desta cidade. No entanto, devido à sua oposição ao nazismo fugiu da Alemanha um dia antes de Hitler chegar ao poder, em 1933. Entre 1934 e 1936 ocupou cargo docente em Madrid e Barcelona, onde o seu pensamento exerceu uma grande influência sobre seus alunos e onde ainda é estudada avidamente até hoje. No entanto, com o advento da Guerra Civil na Espanha, Landsberg transferiu-se para Paris onde fez cursos na Sorbonne sobre o significado da existência, momento em que ele tornou-se também intimamente envolvido com a revista «Esprit», na qual o seu pensamento foi muito influente. Nesta época aproximou-se do filósofo "personalista" Emmanuel Mounier, cujos temas eram semelhantes aos estudados em suas próprias obras. Discípulo de Max Scheler e seguidor de seu método fenomenológico, Landsberg como ele, era cristão.

Foi perseguido pela Gestapo durante um longo período de tempo. Em 1943 Landsberg foi expulso de Paris por ser de origem judaica. Ele foi transportado para o Trabalho forçado num campo de concentração em Camp Oranienburg, Berlim, onde morreu enfraquecido, em 1944.


Seu livro "Experiência da Morte - O problema moral e do Suicídio ” é uma das grandes obras da Filosofia do século XX. Sua investigação e análise são tão importantes como as de Martin Heidegger, em seu "Ser e Tempo ', apesar de há muitos anos subestimado.


Nesta obra, Landsberg se aproximando da psicologia de Stekel, ilustra o suicídio como uma fuga em que o homem tenta recuperar o paraíso perdido em vez de querer ganhar o céu, deseja o abismo, o retorno a mãe, e por isso uma regressão”. Seguindo estas ideias, o suicídio se apresenta como uma espécie de infantilidade. Ele define o suicídio como um sentimento de impotência, “o malogro dos outros meios, uma convergência das desgraças que destroem uma após outra as possibilidades de viver e também de lutar”.


Mounier, reconhecendo a importância do pensamento de Landesberg, coloca-o entre os galhos de sua árvore da filosofia existencialista. No Brasil temos a tradução de sua obra “O sentido da ação” lançada pela editora Paz e Terra.

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Encyclopédie sur la mort
MOUNIER, Emmanuel. Existentialist philosophies an introduction. London: Salisbury square London copyright, 1948.
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sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Pessoa humana como primado.

A PESSOA HUMANA COMO PRIMADO

A Itália está vivendo um grande drama. Recentemente um terremoto abalou o país levando mais de 270 pessoas à morte.
Em meio a toda essa tragédia, é demasiadamente enfatizado o fato de que vários monumentos históricos foram afetados. As vezes temos a sensação que a destruição dos monumentos são sentidas e lamentadas com muito mais pesar do que a perda de centenas de vidas.

Em nosso país nos preocupamos muito com o infortúnio ou o sucesso de celebridades, ao passo que desprezamos o que acontece em nossa própria redondeza ou com pessoas mais próximas. Não nos incomodamos tanto pelo o fato de alguém que faz parte de nosso ambiente social fracassar – diferentemente, quando o fracasso atinge os ícones de nossa sociedade, por eles chegamos até a chorar ou lamentar. Não é comum observarmos pessoas comentando e vibrando pelo sucesso de um vizinho, ou de uma pessoa socialmente simples. Mas é muito comum, encontrarmos pessoas comentando com alegria o sucesso de uma celebridade.

Emmanuel Mounier afirmava que no personalismo a pessoa humana é o primado, sabendo que por pessoa humana, ele, como toda a filosofia personalista, entende como ser humano com toda sua complexidade – algo que se separa de títulos, posição social ou status individual. A importância desse entendimento se dá pelo fato de que, com essa percepção, jamais trataremos alguém de acordo com sua posição ou pelo status que ostenta, nos aproximaremos da pessoa pelo que ela é, ou seja, pelo simples fato de ser uma “pessoa humana”.

Você já parou para pensar que a atitude de desprezar as coisas comuns indica que desprezamos a simplicidade da vida? Percebe também que rejeitar a simplicidade é rejeitar a nossa própria condição natural? Entende que a preferência pelos ícones (monumentos e celebridades, etc.), em relação às pessoas comuns, é uma espécie de rejeição ao que somos, ou seja, é uma espécie de rejeição a nossa condição de pessoa comum? Só seremos alguém, a partir do momento em que valorizarmos mais o que somos. Se olharmos apenas para o que está distante, não perceberemos o que nos cerca. Desvalorizaremos o nosso próprio meio de convivência. Essa desvalorização já implica em uma super-valorização para as coisas que estão distante, ou seja, valorização apenas a pessoas famosas, coisas, títulos, em detrimento a pessoas e coisas simples e comuns. Esse costume de super valorizar os ícones (celebridades, monumentos que representam o passado, empresários, etc.), faz com que sejamos submissos. Aceitamos como normal tudo o que seja idealizado por eles.

Precisamos urgentemente reconhecer o valor das pessoas como pessoas, colocando-as sempre em maior estima do que coisas, títulos e representações. Só assim, poderemos também nos perceber como figuras importantes para a construção de nosso mundo e de nossa sociedade. Só assim, conseguiremos enxergar o nosso real valor e o valor de nosso próximo e do nosso ambiente social. Sem esse entendimento seremos sempre figurantes na história, não passando de meros adoradores de entidades e falsos ídolos.

Lailson Castanha
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domingo, 5 de abril de 2009

Ponderando sobre o mundo

PONDERANDO SOBRE O MUNDO

Para ponderar sobre o mundo, primeiramente é necessário se localizar nele. As questões inerentes ao mundo devem ser questões familiares à mente pensante. Não pensamos e não investigamos o que nunca ouvimos falar, e, muito menos ponderamos sobre algo no qual não nos interessamos.

Para ponderar sobre o mundo faz-se necessário se interessar pelos problemas que o envolve. É necessário se sentir participante do mundo; responsável por ele. Sem esse sentimento de responsabilidade, de interesse e de familiaridade, não há nenhuma possibilidade de praticarmos uma efetiva ponderação.

Ponderamos apenas sobre coisas e questões que nos interessam. Se não nos interessamos pelas questões que envolvem nosso mundo, alguma coisa está errada conosco. Por conta disso, devemos reavaliar nossa condição de cidadãos do mundo – se honramos ou não essa tão digna condição.
Se a resposta a essa investigação pessoal for negativa, se por acaso não honramos o tão valioso título, que dignidade teríamos então a apresentar?

. Somos o quê nesse mundo, se, por conta de nosso desinteresse em partilhar das suas questões, desmerecemos nossa cidadania?
. Que direito temos a exigir, já que somos nulos no mundo?
.Ponderações.
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- Se você se sente cidadão do mundo, faça uma ponderação sobre o seu mundo e sua condição nele.
- Se você não se sente responsável pelo mundo, reflita, e pondere sobre o porquê de sua posição.
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Lailson Castanha
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domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sou um personalista.

SOU UM PERSONALISTA

Definido por mim sou um, por você, sou outro. Pelos outros, sou outro diferente de cada outro definido por outros outros. Diante de tantas conjeturas, como posso eu responder com propriedade quem sou?
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Na minha definição – sou uma multiplicidade de ideias, personalizadas pela minha pessoalidade.

Não sou totalmente autêntico, porquê como diria o Eclesiastes “não existe nada de novo debaixo do céu”, mas também, não sou uma cópia existencial de um projeto de vida, porque as coisas que absorvo, as transformo com a minha pessoalidade. Tenho minha pessoalidade como a minha única riqueza, é o que me torna alguém, e me identifica. Acredito que ser diferente é o que faz a diferença, e as possibilidades de ser diferente se dão quando pessoalizamos as ideias e as forma de absorver as coisas, e vivenciamos a nossa vocação intrínseca. Se olhamos e agirmos uniformemente as ideias serão as mesmas e a contribuição também, mas se cada um enxerga distintamente, e distintamente age, as ideias e as contribuições serão distintas. E, ideias distintas, com contribuições diversificadas, é que esse mundo plural como o nosso, carece.

Sou um personalista.

Lailson Castanha
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A ação como tema central do personalismo e sua correlação com outros temas.

O personalismo tem a ação como seu tema central, tem no engajamento a sua mola principal. Todos os demais temas abordados no personalismo como: pessoa humana, vocação, comunidade personalista, diálogo e até sua metafísica estão implexos na ação. Sobre isto Emmanuel Mounier afirma: “ O que não age não é”(1), e em outro momento reforça um pouco mais a idéia afirmando, que “uma teoria da ação não é pois o apêndice do personalismo, é seu capítulo central”(2).
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Aprofundando um pouco mais o problema da ação, Mounier busca na metafísica o fundamento do engajamento. Segundo ele, desde o seu nascedouro, o homem já carrega em si a responsabilidade do agir. Desde o princípio o homem deve agir. O Eterno o fez como um ser de escolhas. A responsabilidade de praticar uma escolha já o identifica como um ser de ação e de responsabilidade. Ademais, a civilização é uma comprovação da vocação do homem como ser de ação. Pois a civilização, como vida desenvolvida e aperfeiçoada pelo homem confirma que é a experiência que transforma e faz o homem. O homem é o que ele faz de sua vida. A pessoa não é um sujeito pronto, é na sua liberdade e escolhas que ela se desenvolve. Em ouras palavras é em sua ação e em seus engajamentos que ela se forma que passa a ser o que é.
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Emmanuel Mounier corrobora esta tese com a seguinte assertiva: “A civilização é, acima de tudo, uma resposta metafísica a um apelo metafísico, uma aventura da ordem do eterno, proposta a cada homem na solidão de sua escolha e da sua responsabilidade. (3).
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Definindo os termos que envolvem o homem em ação, “civilização, cultura e espiritual” Mounier explica: "Chamemos civilização, no sentido estrito, ao progresso coerente da adaptação biológica e social do homem e seu meio; cultura, ao alargamento da sua consciência, a vontade que adquire no exercício do espírito; espiritual, a descoberta da vida profunda de sua pessoa.” (4).
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Com essas palavras o pensador francês reafirma homem se faz e se molda no processo de suas escolhas e ações ,e, é nesse processo que ele se descobre como pessoa.
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Lailson Castanha
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(1)
MOUNIER
, Emmanuel, O personalismo. Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1967.
(2) Ibdem.
(3)
MOUNIER
, Emmanuel. Manifesto ao serviço do personalismo. Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1967.
(4)
Ibidem.

Crítica da Filosofia Personalista a educação na periferia de São Paulo.

Uma crítica filosófica personalista ao problema da falta de concentração, da agressividade, e da falta de interesse pelo ensino entre os alunos da rede pública de ensino em escolas da periferia de São Paulo, e da ação do professor diante desse quadro.
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Oferecido ao amigo de lutas, André Luiz O. do Carmo - uma pessoa que ainda acredita na educação e efetivamente se envolve por ela.
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Problema. Por que o aluno da periferia de São Paulo da rede pública de ensino se mostra desconcentrado e desinteressado com o aprendizado e age agressivamente no ambiente escolar? O que fazer para mudar este quadro?
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Tese. O ser humano além de sensitivo, um “ser” que se utiliza de capacidades conferidas pela natureza, é também um ser racional. Sendo mais preciso, o ser humano é um ser livre. Ele possui o atributo do livre arbítrio, atributo esse que o faz livre para entrar em confronto com os próprios ditames de sua natureza. Com esses atributos vivenciados de forma plena, ele passa da condição de mero indivíduo, para a condição de pessoa humana. É no uso de seus atributos que ele vivencia efetivamente a sua condição e vocação de “pessoa humana”, antes disso está apenas na condição de individuo, ou seja, na condição menor do que a sua própria vocação e potencialidade.
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Tendo essas peculiaridades como formadora de seu Estado Maior, o ser humano, só pode ser encontrado, só pode ser atingido, quando são levados em consideração esses tais atributos dantes referidos – sem esse tratamento, encontramos apenas o sujeito.
É a falta do alcance do aluno como pessoa humana que os faz sentir-se não participante, não responsável do, e pelo ambiente escolar. Não sendo tratado com pessoalidade, como pessoa, o aluno não se sente identificado com a escola.
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O aluno pode se distanciar de sua pessoalidade? Pode estar em situação desagradável em casa e estar bem na escola? Sendo aviltado pelos pais ou responsável, pode se sentir orgulhoso na escola? Podemos separar homem físico de homem espiritual?
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Essas indagações nos levam os dois caminhos. Ou admitimos a dualidade e ambiguidade na formação do ser humano, ou partimos para o pressuposto que interioridade e exterioridade são aspectos de uma só substância ou no caso do ser humano, de um só indivíduo.
Nosso estudo corrobora a tese de que interioridade e exterioridade são aspectos de uma só substância (de um só indivíduo).
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Distanciamo-nos da filosofia platônica no que se refere a distinção entre mundo das ideias e mundo da aparência, cremos que a aparência mostra-nos um dos aspectos de uma realidade mais ampla, neste sentido, cremos que assim como não podemos separar o homem essencial do homem aparente, porque a sua aparência de alguma forma revela traços de sua essência, não se pode separar um garoto com problemas em sua residência, em seus relacionamentos e na sociedade, do aluno na sala de aula. O aluno que fora da escola está envolvido num emaranhado de problemas, por conseguinte é um aluno problemático, porque ele, mesmo estudando continua sendo o que é, continua absorvido pelos problemas. O epíteto de "aluno" que lhe foi conferido, não lhe distancia efetivamente dos problemas existenciais que ele vivencia.
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Como professores, equivocadamente, tratamos o aluno coletivamente, ou seja, tratamos alunos e não pessoas. Indivíduos no meio de uma classe, indivíduos da classe dos estudantes. O problema é que a classe que o representa não destaca sua pessoa, apenas a sua identidade funcional, um alguém em um determinado meio.
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Cremos que toda pessoa deseja ser percebida em sua pessoalidade. Quando tratamos indivíduo que frequenta a sala de aula apenas como aluno, ignorando a sua pessoalidade, automaticamente ignoramos a sua pessoa.
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Quando tratamos o aluno como pessoa, ele será incitado a mostrar e destacar a sua pessoalidade. Através dessa abertura, o professor terá a oportunidade de entender o que se passa com o aluno, porque, a partir do momento em que ele destaca sua pessoalidade, passa a destacar o que é realmente, começa a desmascarar as personagens que ostenta na escola e na sala de aula. Começa a derrubar as máscaras que até então ele apresentava ao professor e com isso o professor passará a entender o que leva o seu aluno a agir de tal e tal forma.
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O problema dos alunos da rede pública de ensino, nas escolas da periferia de São Paulo, em sua maioria, tem raízes familiar ou social. Geralmente é num ambiente familiar ou social doentio que começa a crise de identidade do aluno, o desinteresse por valores éticos, pela educação e cultura. Se no lar ou na ambiência social-coletiva do aluno os valores éticos a educação e a cultura não são enfatizadas, dificilmente ele vai valorizar-las. Como na maioria dos lares e dos ambientes em que nossos alunos transitam esse problema é vivenciado, consequentemente os alunos são afetados por ele, destarte o problema que percebemos na escola é um reflexo do que acontece nos larese na sociedade em que ele está inserido. Com o professor ciente das deficiências estruturais do aluno, deverá tratá-lo de forma adequado a sua situação.
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Conclusão.
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Falta de concentração, agressividade, falta de interesse pelo conhecimento, são fenômenos que apontam para uma base irregular – a família desestruturada/sociedade desestruturada.
Nada acontece por acaso, como bem enfatizou Aristóteles tudo o que acontece tem uma relação de causalidade (causa e efeito). Problemas e crises que acontecem pessoas não fogem desta regra, portanto, os alunos também estão inclusos nesta regra.
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Sabendo disto, o professor deve atentar para este fato, para, quando se deparar um aluno problemático, tentar extrair dele um pouco de sua pessoalidade e com isso apurar o que provocou neste os desarranjos comportamentais.
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Conhecendo o aluno com mais propriedade, o professor poderá tratá-lo mais adequadamente, possibilitando uma possível reversão no seu quadro comportamental.
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Lailson Castanha
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A vocação no personalismo.



A Vocação é tema essencial quando abordamos o personalismo.

           Quando Emmanuel Mounier trata da peculiaridade e distinção da pessoa humana, com isto ele já está a admitir a existência de sua vocação. Para personalizar é preciso vivenciar uma vocação, a não vivencia da vocação, impede-nos de personalizar, ou seja, de tornar as coisas mais pessoais e humanizadas. Sem a vocação não vivenciamos nossa “pessoalidade”, pois a peculiaridade de nossa vocação é o que proporciona a possibilidade de nossa contribuição pessoal na comunidade. Um real engajamento só é possível quando aplicamos a nossa vocação a seu serviço, ao contrário, o engajamento não é legitimo, é impessoal.
A vivência da vocação é extremante importante para saúde da comunidade, pois, a exemplo da alegoria cristã do corpo de Cristo, em que cada membro tem a sua função, na comunidade saudável, segundo a filosofia personalista, cada pessoa tem a sua vocação, e por ela deve se engajar, deve se compromissar com a comunidade de pessoas.
A comunidade tem uma vocação comum, o diálogo, a comunicação, e é através dela que cada pessoa deverá  agir em prol do outro. É através dessa vocação comum,e do compromisso em vivenciá-la,  que uma comunidade deverá ser construída.
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“Se a vocação suprema da pessoa é divinizar-se divinizando o mundo, personalizar-se sobrenaturalmente personalizando o mundo, seu Pão cotidiano não é mais penar ou se divertir, ou acumular riquezas, mas, hora a hora, criar próximos ao redor de si.” (1) 
(Emmanuel Mounier)

Lailson Castanha

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(1) MOIX, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. São Paulo, Paz e Terra: 1968.

Emmanuel Mounier, um filósofo da ação.

*À Prof. Ms. Tânia Sereno.

Temos conhecido ao longo da história vários pensadores que afirmaram e defenderam ideias sobre os mais variados campos da existência. Muitos tentam e tentaram resolver as questões sem ao menos se envolverem diretamente com elas, outros tem ou tiveram nas respostas dadas a firme expressão de sua própria vida. É neste segundo grupo que se enquadra o filósofo francês, Emmanuel Mounier.

Nascido em 01 de abril de 1905 na montanhosa Grenoble, Mounier, filho de uma família modesta, não perde gosto pelas coisas simples da vida, gosto este adquirido no típico convívio de uma família camponesa. No entanto, esta tranquilidade que a vida camponesa lhe oferecia, não lhe desviou a atenção para os desafios que a existência trazia, pois desde cedo desejava o contato com pessoas, contando como natural os problemas que este contato lhe traria. Podemos observar a sua ânsia na sua própria fala: “Encontrar pessoas era tudo o que eu esperava da vida, e eu sentia que isto queria dizer: encontrar sofrimento (...) parecia-me não poder imaginar a alegria senão através da partilha e do conhecimento.” (1)

É tão vívida em Mounier a disposição em lutar, que mesmo vivendo sérias dificuldades, passadas por diversas tragédias como a perda de uma vista e um ouvido ocasionados por dois acidentes na sua juventude (3), ruptura intelectual com um grupo de colaboradores de sua REVISTA ESPRIT que ocasionou no afastamento e saída desses membros, o falecimento do grande amigo Barthélemy que lhe deixou profundamente depressivo, a difícil condição financeira que por várias vezes lhe apertou, a fatídica enfermidade de Françoise, sua primeira filha, que aos sete meses uma encefalite a deixou totalmente inconsciente, seu aprisionamento, as várias censuras e ameaças de encerramento da revista, e os serviços no exército que no início lhe causou estranheza. Contudo isto ele afirma: “Tudo o que acontece para mim é sadio”(4). Com toda a provação que a vida lhe imprimiu, ele não perdeu o interesse pela vida e suas complexidades.

Esta atitude de não resignação diante dos acontecimentos é uma das características mais fortes do caráter de Mounier e que delineia a filosofia por ele defendida. O personalismo, sendo uma extensão da atitude deste filósofo, traça como ideal a ação de acolhimento e afrontamento. Isto significa a necessidade de encarar a realidade sem se demitir, colocar a pessoa não em fuga, mas diante dos fatos e neles envolvidos. Envolvidos, o filósofo, como toda a pessoa humana, devem-se engajar na empresa de humanizar a realidade que o cercam. Esta atitude defendida pelo filósofo foi intensamente vivida na ambiência de sua revista – que buscava através dos escritos, influenciar e motivar as pessoas a agir em prol da comunidade; sua seguinte afirmação ilustra bem este fato: “Tantos inocentes dilacerados, tantas inocências calçadas; esta criancinha, no dia a dia imolada, era talvez a nossa presença ao horror do tempo. Não podemos somente escrever livros. É preciso que a vida nos arranque periodicamente das artimanhas do pensamento.”(5)

Em Emmanuel Mounier, o pensamento nunca pode estar desligado da ação, o verdadeiro pensamento é aquele que está encarnado na pessoa que o pensa, se o mesmo está distante da ação, ou dela divorciado como os vários idealismos, este é apenas um delírio.

Vemos também o pensamento cristão encarnado neste filósofo. Já que para ele, absorvendo as idéias cristãs, o sofrimento era tido como uma vocação, Mounier chegava a vivenciar o paradoxo cristão de se aprazer com o infortúnio, por acreditar que eles estão envolvidos com a desconhecida graça de Deus.

Até o infortúnio de sua filha os fez pensar em outras vidas que vivem infortúnios semelhantes. Observando de outra forma, podemos entender que a dor motivada pela fatalidade de sua filha os fez, na mais pura maneira cristã, transcender, saindo do limite de sua existência individual.

Emmanuel Mounier é um filósofo da ação, porque fez com que o seu pensamento fosse vivenciado em suas manifestações existenciais. Acreditava no primado da “pessoa humana” e com base nesta convicção, lutou contra tudo que diminuísse a dignidade que esta pessoa tem por direito intrínseco. Pregava o acolhimento, acolhendo a realidade, se misturando e se envolvendo a ela e as pessoas que o cercavam e defendia o afrontamento, se engajando no projeto de defender a pessoa humana contra tudo que lhe avilte – mesmo que este afrontamento lhe causasse um desconforto, ou até mesmo a dor.

O afrontamento da pessoa diante das tradições e novidades que se afirmavam, teve em Mounier um profícuo resultado, tendo na REVISTA ESPRIT um dos seus máximos expoentes. Através deste veículo o primado da pessoa humana e a necessidade de ação foram defendidos arduamente, envolvendo pessoas que lutavam a favor das mesmas causas e chamando ao diálogo os que se mostravam contrários.

Em ação, Mounier lutou contra os vários “ismos” que colocam a pessoa integral em segundo plano, contra os fascismos, marxismos dogmáticos e a civilização burguesa capitalista-individualista, defendendo uma civilização personalista-comunitária que leva em conta a pessoa em sua complexidade colocando em questão toda a realidade que as envolvem. Sua vida foi vivida intensamente em meio às controvérsias e as questões que em se envolvera.

Envolvido nas fadigas proporcionadas pelas lutas e trabalhos, lutas estas sempre a favor do “primado da pessoa humana”, este homem de ação morreu vítima de uma parada cardíaca, e até mesmos em seus momentos finais, depois de duas crises que o forçou a um afastamento das atividades, volta ao trabalho. Não resistindo à terceira crise, às três horas da manhã, no dia 22 de março de 1950, morre em ação o homem do engajamento.

“Não seremos decididamente grandes enquanto a vida não nos colocar à prova de nos recusar, inapelavelmente, uma coisa a que aspiramos com toda a nossa ânsia.”(6)
( Emmanuel Mounier)

*Fui muito influenciado pela Prof. Ms, Tânia Sereno em suas aulas de sociologia na Universidade UNIFAI.
Sua atitude engajada fez-me perceber que carrega em seu íntimo a inspiração personalista defendida por Emmanuel Mounier e pelos intelectuais do círculo da Esprit.
Em suas dissertações defendeu intensamente uma sociologia da ação em detrimento as sociologias estritamente descritivas que não se misturam a carne social, e por conseguinte não buscam encontrar soluções, desvencilhando-se do compromisso de apresentar alternativas sociológicas, simplesmente se fechando na empresa de apontar dados e apresentar estatísticas.
Por isso, ao escrever um pouco da trajetória desse filosofo do engajamento – entendi que seria de boa medida oferecer esse simples texto a Prof. Tânia como gratidão a sua atitude, levando se em conta que gratidão por inspiração se paga com atitudes inspiradoras, coisa que a experiência de Emmanuel Mounier transmite com muita força.

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(1)MOIX, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1968.
(2
Ibidem
(3)SEVERINO
, Antonio Joaquim. A antropologia personalista de Emmanuel Mounier.São Paulo: Saraiva,1974.
(4)
MOIX
, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1968.
(5)
Ibidem
(6)Ibidem

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Conhecendo-se a si mesmo, para conhecer um pouco além de si.

Uma das mais mais fortes bases da filosofia, é o conhecimento que situa e identifica o homem. Filosoficamente tem-se como natural a atitude de, antes do homem procurar algo externo de si, primeiramente buscar conhecer-se a si mesmo.
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É impossível um conhecimento aprofundado sobre quaisquer realidades que nos cercam, sem antes entendermos que ainda não conhecemos essa realidades que nos instigam, ou até mesmo, que estamos observando algo, e que pensamos sobre o objeto de nosso interesse. Mesmo que rejeitássemos como real tudo o que nos cercam, temos antes que nos reconhecer como um alguém que rejeita. Esta atitude de rejeição, já é um princípio de identidade existencial – pois rejeitando tudo, não rejeito a minha existência que se afirma existente, pois na negação das coisas, destaco-me como alguém situado, e que, por estar situado, rejeito. Nisto podemos asseverar, que a procura do conhecimento, deve antes, começar pelo conhecimento de si próprio.
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Quando um behaviorista rejeita os processos mentais, se apegando apenas a métodos objetivos para o conhecimento, mesmo esta rejeição, foi fruto dos processos mentais colocados como inadequados para o conhecimento. A rejeição, jamais se daria de forma metódica sem o uso da introspecção. Um behaviorista, jamais rejeitaria a subjetividade sem antes conhecê-la em si mesmo, portanto, foi a partir deste conhecimento introspectivo que estes tais pesquisadores desconfiaram rejeitaram a sua eficácia.
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O homem jamais conhecerá, se antes não conhecer-se a si mesmo, seus limites, o contexto na qual esta inserido, e suas tendências.
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No ideário bíblico, encontramos a assertiva que o coração é enganoso (Jeremias 17.9). Nesta ideia, temos um princípio do conhecimento de nós mesmos, ou seja, sabendo que o nosso coração é enganoso, podemos perceber que nossa visão, intenções e emoções não são confiáveis, porque a nossa mente (para o judeu, coração) corrompe enganosamente os nossos demais sentidos, e consequentemente, as nossas ações e emoções e ideias, se tornam também enganosos.
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Saindo do âmbito das ideias para o âmbito sensível, também é necessário que o homem conheça os seus limites físicos, para que não seja traido por falsas impressões.
Quando o homem se percebe como um limitado no que se refere ao saber, ele não se satisfará com as informações de seus sentidos, buscará reforçar o seu entendimento em outras vias do conhecimento.
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Sócrates percebendo o limite do conhecimento humano, asseverou: “Só sei que nada sei”, Nicolau de Cusa, seguindo a mesma linha de raciocínio, considerou o homem mais elevado como “douto ignorante”, outrossim, um conhecedor de sua ignorância. Por perceber a sua ignorância, deseja sempre conhecer para sair dela, por perceber a sua ignorância, almeja conhecer o que sabe que ignora. Os dois pensadores citados, tiveram a preocupação de conhecer-se a si mesmos, e isto resultou na identificação da ignorância que os envolviam.
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Nicolau de Cusa, conhecendo-se a si mesmo, e consequentemente conhecendo a sua limitação em relação a totalidade do conhecimento, percebeu que tudo o que referia-se a Deus era inadequado, porque inadequado é o conhecimento humano. A reflexão profunda levou o filósofo de Cusa a conhecer-se a si mesmo, e isto o levou a perceber suas limitações e também fê-lo chegar a conclusão que sua linguagem, pelo limite existencial de que é composta, era inadequada para tratar qualquer coisa referente a Deus.
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Sempre que o homem deseja expandir o seu conhecimento, necessariamente se deparará com os seus limites – com isso conhecerá, um pouco mais de si mesmo.
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O homem não demissivo intelectualmente, quando for a busca de conhecimento, sempre será constrangido, a, antes de se envolver na empresa de buscar do conhecimento fora de si, conhecer-se a si mesmo.
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O “Pregador” ou o “Eclesiastes” figura repassada a Salomão afirma que “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir a casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.”(Eclesiastes 7.2).
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Fazendo um esforço para aproximar as ideias relembro a afirmação que Sócrates se apropriou: “Conheça-te a ti mesmo.” Na exortação do Pregador vemos que o homem necessita perceber e relembrar a sua finitude e impotência, para dessa reflexão repensar sobre a vida em sua totalidade, e em Sócrates, não menos exortativo, vemos o destaque na necessidade do homem em conhecer-se, coisa que naturalmente o levará a conhecer a sua pequenez, e lhe trará a consciência de sua inadequação diante do conhecimento.
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Uma filosofia verdadeira, sempre levará o homem a introspecção reflexiva.
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Lailson Castanha
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Ostentando o não-ser-pessoal.

O mundo ocidental capitalista, e as nações orientais regidas pelo mesmo modelo, vivem a efervescência da cultura da ostentação materialista. Esta ostentação vivenciada por pessoas orgulhosas, integrantes de uma sociedade capitalista massificada, tem a estranha atitude de apresentar de forma ostensiva o não-ser-pessoal, como se fosse parte real de seu ser-pessoal. Por exemplo, podemos ver entre os transeuntes de qualquer grande metrópole ostentando um caro óculos solar, como se fosse um atributo intrínseco de sua beleza pessoal.
Podemos também avistar um garoto de classe média ostentando um pit bull, como se a braveza daquele cão, fosse uma extensão da sua força.
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No ufanismo nacional, percebemos que um nacionalista ostenta a glória de sua pátria natal, como se esta, efetivamente ilustrasse a glória dos cidadãos da tal pátria. Em grandes eventos esportivos vemos a evidência desta realidade, no orgulho da torcida que vibra e ironiza cidadãos de outras pátrias, como se a glória de uma conquista esportiva nas quatro linhas de um gramado, ou de uma quadra, se estendesse para cada cidadão que torce com paixão pelo time que representa sua pátria. Representar, inclusive é uma tendência muito forte de nosso atual momento histórico.
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Muitas vezes eu fico a me perguntar. Será que quem usa ostensivamente um belo óculos solar, não percebe que a beleza deste não se estende a si, e que, racionalmente pensando, a beleza do óculos solar efetivamente só pode engrandecer os atributos do designer que o criou? Será que não percebe que saindo as ruas a ostentar a possível beleza que este acessório produz na ornamentação da sua face, na verdade, com isso, está negando os atributos físicos e pessoais de seu olhar natural, em outras palavras, será que não percebe que está apenas apresentando a ornamentação, ao invés de se apresentando, e que, apresentando uma beleza fora de si ela está negando-se a si mesma?
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Será que não percebe que uma máscara não apresenta a sua real imagem e, por ser assim, jamais deveria se orgulhar de forma ostensiva?
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As mesmas ponderações poderiam ser dadas a demais exemplos, pois, o “não eu”, não é o “eu”, por isso não ostentá-lo não seria uma atitude adequada.
Um homem que está com uma garota, sendo que esta foi atraída pelos seus bens capitais, não pode jamais se alegrar com a conquista desta, quando, ao invés de ser atraída pelo ser-pessoal que acompanha, foi atraída pelo não-ser-pessoal, ou seja, pela matéria de posse do ser pessoal que ela se aproximou.
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É lógico que não podemos ser contra a ornamentação e os bens, o que estou a destacar é o uso impróprio da materialidade colocada em maior estima de que a nossa pessoalidade e naturalidade, não a simples satisfação de possuir um belo produto.
A ostentação material quando substitui a valorização do ser natural, rebaixa a pessoa a condição de coisa artificial, onde o seu valor reside no que ostenta, no que tem ou se apropriou e não no que realmente “é”.
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O personalismo como corrente de pensamento, em qualquer instância e em qualquer lugar deve ter a natural responsabilidade de ressaltar e defender a primazia da essência sobre a opção da aparência, a primazia da pessoa sobre os valores e sobre qualquer status.
A ressalva personalista é importantíssima, porque, trocando as prioridades do ser – os valores também serão afetados, diminuindo a valorização da pessoa sobre si mesma, é também diminuída ou quase negada a identidade da pessoa pessoal, diminuindo o afeto pessoal, é também diminuído o afeto relacional.
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Se uma pessoa se sente realizada pelos bens materiais que possui, sendo eles um meio para a sua ostentação social, só terá interesse no outro se ver nele os mesmos valores materiais que possui ou que tenciona possuir, podendo visualizar o outro apenas como uma ponte para a empresa de ter o “não ser pessoal” que não possui.
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Devemos procurar ressaltar a importância dos valores naturais da pessoa, para que a matéria seja tratada como tal, e não continue a sua ascensão sobre o ser humano na sociedade capitalista hodierna.
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"Todo o progresso ameaça o homem de uma espécia de perigo interno...
A coisa...é o que acaba por possuir aquêle que a possui..." (Jean Lacroix)
(1)
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“O homem, pode viver a maneira de uma coisa. Mas como não é coisa, uma vida assim lhe parece uma demissão, e temos então do "divertissement" de Pascal, o "estágio estético" de Kierkegaaard, a "vida inautêntica" de Heiddeger, a "alienação" de Marx, à "má fé" de Sartre”. (Emmanuel Mounier) (2)
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Lailson Castanha.
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(1)LACROIX, Jean (direção). Os homens diante do fracasso. São Paulo: Loyola. 1970.
(2)MOIX, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. São Paulo, Paz e Terra: 1968.
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Equívocos a respeito de Emmanuel Mounier e o personalismo.

Muitas idéias que são identificadas como ideias de Emmanuel Mounier ou como ideias do personalismo mouneriano, não podem ser identificadas como tais.
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O grande problema das indevidas atribuições dadas a Mounier, reside principalmente no epíteto, “personalismo”, que identifica o pensamento do pensador de Grenoble.
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Por personalismo, comumente, entende-se como: “atitude ou conduta de quem refere tudo a si próprio”, e, como personalista, vulgarmente entende-se como: “pessoal, individual ou egocêntrico"(1). Por essas abordagens advindas do senso comum, crê-se erroneamente ser o personalismo de Mounier, uma doutrina baseada na individualização do ser humano diante da realidade que o cerca, uma espécie de individualismo indiferente, fechado em conceitos subjetivos”.
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Também alguns autores qualificam erroneamente o engajamento personalista, na defesa do estado francês, contra uma cultura externa dominante – como um movimento de ação ultra direita.
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O personalismo também é indevidamente considerado uma filosofia antimarxista e antiexistencialista.
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Sobre o termo personalismo aplicado ao pensamento filosófico de Emmanuel Mounier, ele se distancia do termo usual. O personalismo de Mounier é uma filosofia do homem situado. Diferente do subjetivismo individualista, ou da ação egocêntrica da exaltação da personalidade individual diante de uma comunidade, o personalismo francês situa o homem diante de seu contexto existencial, incitando-lhe, por estar situado em um contexto específico, a se engajar em prol do meio em que se está inserido. Nessa descoberta, não pode haver mandonismo e culto a personalidade, porque, percebendo-se como uma pessoa em meio a outras pessoas, o cidadão personalista percebe que o seu compromisso no meio de pessoas com suas pessoalidades, é, justamente, garantir a dignidade a cada uma delas, coisa essa que constrange uma possível exaltação forçosa da sua personalidade ou de suas ideias.
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No que se refere a opinião de alguns comentaristas de ser o engajamento de Mounier coadunado a um movimento de ação ultra direita francês, é um pensamento inadequado, pois, o grande influxo do pensamento de Emmanuel Mounier, foi humanismo marxista e existencialista. Ser um nacionalista, aos modos de Mounier, não significa necessariamente ser um adepto de uma política ultra direita, pelo contrário, no contexto histórico em que se encontrava, lutava ideologicamente para salvar a França do domínio de uma nação efetivamente, ultradireitista, a nazista Alemanha. Em seu livro “manifesto serviço do personalismo”, vemos explicitamente sua rejeição aos fascismos, movimento caracterizado como ultra direitismo. Dissertando sobre dois modelos vigentes em sua época, de orientação facista, Mounier afirma:
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"Assim, de um lado como do outro, vemos a independência e a iniciativa da pessoa, ou negadas, ou constrangidas nas exigências de uma coletividade, ela própria ao serviço de um regime. Os facistas, não obstante, não saem de modo algum do plano individualista. Eles nasceram em democracias esgotadas, cujo proletariado, aliás, se encontrava muito pouco personalizado. Eles são a febre e o delírio resultante desse estado de coisas. Uma massa de homens desprotegidos, e sobretudo desamparados de si próprios, chegaram a esse ponto de desorientação em que só lhes restava um único desejo: A vontade, frenética à força de esgotamento, de se desembaraçarem da sua vontade, das suas responsabilidades, da sua consciência, depondo-a nas mãos de um Salvador que julgará em lugar deles, deliberará em lugar deles, agirá em lugar deles. Nem todos são, certamente, instrumentos passivos desse delírio, que, chicoteando o país, despertou energias, suscitou iniciativas, elevou o tom dos corações e a qualidade dos atos. Mas isso é apenas uma efervescência de vida. As opções derradeiras, as únicas que forjam o homem na liberadade, permanecem à mercê da coletividade. A pessoa é espoliada: já o era na desordem, é-o agora, por uma ordem imposta. Mudou-se de estilo, não de plano." (2)
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Sua afirmação em destaque, deixa bem clara sua desaprovação aos sistemas totalitaristas ultradireitista, facista e nazista
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Continuando no mesmo raciocínio, é também imprópria a assertiva que coloca o personalismo como uma filosofia antimarxista e antiexistencialista, porque, estes sistemas, longe de causarem asco em Mounier, despertaram em seu espírito o interesse em abordar o ser humano e suas demandas, de forma situada e personalizada.
Sobre o marxismo, apesar de Mounier entender que o personalismo o ultrapassa, ou seja, além de levar em conta sua chamada de atenção, percebe e problematiza questões desprezadas pelo marxismo, mesmo assim, Mounier o tinha em grande consideração. Percebe-se essa realidade na sua seguinte afirmação de Mounier citada por R. Cosso:

“É um ponto, escreve ele, em que realismo personalista muito se aproxima do método marxista, de seu esforço para livrar os problemas da história do à priori e para unir o conhecimento a ação”.(3) .

Podemos também perceber a aproximação de Mounier ao existencialismo, até mesmo na interpretão que faz a filosofia existencialista. Sobre o existencialismo, afirma Mounier:

“é uma reação da filosofia do homem contra os excessos da filosofia das idéias e da filosofia das coisas”
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Mesmo não se limitando aos ideários marxistas e existencialistas, Mounier, continuou tratando e abordando as preocupações contidas nestes sistemas dando um tratamento personalista. .

Apesar de levar as questões a caminhos por vezes diferentes dos que levavam os dois sistemas, a relação de Mounier com o marxismo e com o existencialismo era dialogal, longe de ser uma interrupção de diálogo.
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(1) Dicionário Aurélio - Século XXI. Nova Fronteira - versão 3.0.
(2) Mounier, Emmanuel. Manifetos ao serviço do personalismo.Lisboa: Livraria Moraes editora. 1967.
(3) DOMENACH, Jean Marie – LACROIX, Jean – GUISSARD, Lucien – CHAIGNE, Hervé – COUSSO, R – TAP, Pierre – NGANGO, Georges – PELISSIER, Lucien. Presença de Mounier. São Paulo: Duas Cidades, 1969.
(4) MOUNIER, Emmanuel. Introdução aos existencialismos. Lisboa: Moraes editora. 1963.
NETO, Henrique Nielsen. Filosofia Básica. São Paulo: Atual Editora Ltda, 1986. 3.ed.
SEVERINO, Antonio Joaquim. A antropologia personalista de Emmanuel Mounier. São Paulo: Saraiva, 1974.
MOUNIER, Emmanuel. O compromisso da fé. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971.
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Filosofia do diálogo.

Incitado pela ânsia existencialista de buscar respostas para a condição humana na existência, e, pela preocupação marxista de integrar o homem trabalhador, efetivamente com o seu meio, libertando-o da alienação, que o separa do fruto do seu trabalho, o personalismo já nasce dialogando com essas distintas linhas filosóficas de cunho humanista, que tem como preocupação destacar o problema do homem situado na existência.
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Percebendo e vivenciando a realidade da angústia existencial do homem europeu, aviltado pelos sistemas totalitaristas, fascista e nazista, que se alastrava pela Europa, e inclusive se embrenhava e dominava a França na década de 30, Emmanuel Mounier, se aproxima das preocupações do existencialismo. Ao mesmo tempo, em que se preocupa também, com a condição do homem em seu meio, e, sua relação com o trabalho, tema central do marxismo.
Partindo da universal angústia existencialista, o personalismo vai afunilando suas preocupações até localizar uma angustia específica, uma angústia definida com mais propriedade, ou seja, a ânsia do proletário em busca de justiça e dignidade. Percebe-se em Mounier um apego a ideia marxista de encontrar e destacar o proletário, ostracizado pelo gigantismo da propriedade privada e pelo poder da burguesia.
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Como percebemos, o personalismo nasceu com uma mutualidade de preocupações, mas ao mesmo tempo, ofereceu uma responta diferenciada as questões que provocaram sua ebulição.
O personalismo, não exite por si mesmo, não é como uma planta artificial, que não se transforma, presa numa estrutura que lhe foi posta, pelo contrário, como uma planta viva, está sujeito a histórica, que traz a tona, novas realidades e necessidades, que, consequentemente, exigem respostas novas.
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A proposta do personalismo é dialogar com sua época histórica, seu contexto geográfico e cultural, para que sua a resposta e suas propostas, venham carregadas de adequação. Ou seja, que suas respostas e propostas sejam pertinentes para a situação contextual das pessoas que estão localizadas em seus devidos contextos.
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Sobre essa voção dialogal do personalismo, Jean Lacroix (1900-1986) asseverou com muita propriedade:
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“ O diálogo entre o conhecer e o existir não tem fim, e a nossa vocação é ser sistema ativo, que se ultrapassa a si mesmo, não por deixar de ser, mas por se abrir cada veiz mais a este mais, a este mais além de todo o conhecimento e de toda a existência, pelo qual unicamente nos conhecemos e existimos.
Assim se patenteia as grandes linhas de um personalismo, que interpreta todas as aquisições do existencialismo, e, sobretudo do marxismo, mas, ultrapassando-os." (1)
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Lailson Castanha
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(1)LACROIX, Jean. Marxismo, existencialismo, personalismo. Porto: Apostolado da imprensa, 1964.
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O ser humano integral e seu aviltamento.

Em pleno século XXI, o ser humano vivencia uma realidade cada mais aviltante no que se refere a sua condição de ser integral.
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O ser humano em sua plenitude é constituído de substância física, de atributos que lhe são inerentes, de pessoalidade e espiritualidade. Ele ao mesmo tempo em que está situado fisicamente, é também um ser transcendente, ou seja, um ser espiritual. Outrossim, ele é um ser naturalmente espiritual, sua realidade encarnada está sempre ligada a sua natureza transcendente, de forma que sua essência é fundada nessa realidade: ser humano é um ser naturalmente espiritual e espiritualmente natural, sua natureza encarnada não é contraditória a sua natureza espiritual. Ademais, ser humano é um ser complexo.
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O grande problema que o ser humano enfrenta no presente século, é que sua complexidade, ligada diretamente a sua constituição integral, não é levada em conta no atual sistema social, sistema esse arregimentado pela batuta do poder burguês, que tem como sinfonias prediletas à benesse do lucro e a famigerada luta pela conquista do capital.
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Tendo como plenitude a sua integralidade, o ser humano só se sentirá completo quando, em sua ambiência, todos os aspectos de sua existência forem levados em conta. Só quando os conterrâneos de uma sociedade se conscientizarem e vivenciarem as complexidades de sua integralidade, proporcionarão um ambiente mais propício ao natural convívio humano. De outra forma, bloqueando os demais aspectos da constituição humana, a sociedade gerará homens frustrados e incapacitados de enfrentarem os desafios que a vida imprime, justamente por já se sentirem derrotados em sua própria ambiência social, pela falta de condição de viver a vida integralmente.
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Quando uma sociedade é dirigida por sistemas políticos-econômicos impessoais, que não levam em conta a história e cultura de um povo ela, além de nunca beneficiar esse povo, causará estragos inumeráveis a cada integrante pessoal dessa sociedade, mesmo que o próprio sujeito não esteja cônscio de sua situação inadequada.
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Quando o governo não se envolve na história da sociedade em que está inserido, e também não leva em conta a sua cultura, que é a própria identidade social de um povo, ele faz com que os mesmos se sintam deslocados e desapegados com o ambiente em que vivem – tornando-os demissivos em sua vocação social e comunitária.
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Esse estrago está ocorrendo com advento do neoliberalismo, que movido pela cultura mercadológica do lucro inconsequente, tem arrasado sociedades através do desrespeito a suas culturas e tradições, trazendo de fora todo tipo de novidades, seja material ou cultural – que será através do consumo, transformado em capital, fomentando no homem local a ânsia pelo novo, pelo externo, e através disso se transformando cada dia mais, num ser impessoal, que por voltar-se apenas as novidades materialistas, deixa de nutrir sua interioridade, sua espiritualidade, e seus atributos mais nobres.
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“O único personalismo possível é aquele que tiver em conta a totalidade do ser real.” (1).
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(1)LACROIX, Jean. Marxismo, Existencialismo, Personalismo. Porto: Livraria apostolado da imprensa, 1964.
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Intentamos propagar o personalismo, bem como suas principais ideias e seus principais pensadores, com a finalidade de incitar o visitante desse espaço a ponderar de forma efetiva sobre os assuntos aqui destacados e se aprofundar na pesquisa sobre essa inspiração filosófica, tão bem encarnada nas obras e nos atos do filósofo francês, Emmanuel Mounier.

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Jean Lacroix, Emmanuel Mounier e Jean-Marie Domenach

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