Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

quinta-feira, 7 de março de 2013

O desprezo ao tema pessoa e suas possíveis consequências.

O DESPREZO AO TEMA PESSOA E SUAS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

Quando se fala sobre a pertinência do personalismo, colocando em questão a urgência de buscarmos novas alternativas civilizatórias que proporcionem a vivência harmoniosa dos homens em seus distintos aspectos, como e, por exemplo, seu aspecto trabalhista, que busca satisfazer suas necessidades elementares, e alguns caprichos, e como ser espiritual, que necessita nutrir-se de coisas que estão além do simplesmente material, está a se ressaltar a complexidade enleada nesse ser. Porém, observando as ênfases destacadas nas importantes instituições sociais, fica a impressão, ou mesmo, a convicção, que a urgência destacada pela filosofia personalista não é assumida, ou, simplesmente, não é percebida. Escolas sejam em instâncias primárias, secundárias ou superiores, igrejas e outras instituições religiosas, e as diversas mídias, entre outras instituições, com suas determinadas ênfases, parecem ignorar o que o personalismo apresenta como urgência. Nas mais variadas instituições comunicativas -, que comunicam aprendizado,  espiritualidade ou informações gerais -, o tema pessoa é ofuscado, vitimado por temas ou por práticas que contrariam a possibilidade de esse tema ser tratado com seriedade.

No Brasil, em boa parte das escolas públicas, na adoção de suas teorias e práticas pedagógicas, por exemplo, percebe-se, sem muito esforço, o total, ou quase, abandono do empenho de comunicar a necessidade de o ser humano tornar-se pessoa. Nesses ambientes educacionais, ausenta-se em grande medida, a vivência de virtudes humanas por conta do pouco compromisso em comunicar a dimensão pessoal do ser humano, dimensão que tem entre suas características fundamentais, a real comunicação entre pessoas e a necessidade do engajamento pessoal em prol da comunidade em que a pessoa está situada, e também, a favor da grande sociedade humana. A escola está sendo construída, em grande parte, por discentes alienados da sua condição de pessoa, e, como consequência, descompromissados na ambiência em que estão inseridos. Percebe-se, que em muitas instituições educativas, pessoas estão vivendo quase que em estado puramente instintivo, em muitos casos, tentando realizar seu desejo impulsivo através da agressividade, tanto verbal, como física -, práticas explicitadas ao grande público pelos grandes veículos de comunicação. Apesar desse quadro, poucos são os profissionais envolvidos na educação, que, diretamente, ou indiretamente, se valendo de discursos ou de práticas positivas em prol de uma condição favorável à vivência de pessoas, interferem contra as práticas “despessoalizantes” que descaracterizam a pessoa do aluno e o ambiente escolar, idealmente ambientado para a prática da vivência de pessoas.

Na ambiência eclesiástica dominante o quadro também dista do ideal. Nos cultos, em sua maior parcela, as pregações são despersonalizantes, com ênfase mais em vaidades, ou aspectos impessoais, do que na necessidade pessoal, de cada ser humano, individualmente, se converter ao seu estado natural, ao estado de pessoa. É excessivamente destacado o aspecto coletivo da comunidade, em detrimento a comunhão pessoal entre pessoas participantes do corpo comunitário. Vive-se uma cultura de rebanho, ao invés de relação entre membros ativos, que comunicam seus dons e se doam, enriquecendo a comunidade na peculiaridade de cada ação pessoal. As lideranças são egocêntricas, centralizadoras, que buscam fazer de sua existência e práticas o único canal de respiração da comunidade, ao invés de uma liderança distributiva, intricada afetivamente no corpo comunitário. A consequência desse modelo é a produção de crentes fechados em seus desejos e convicções, que buscam o alcance dos desejos, muitas vezes luxuriantes, em maior esforço do que a busca por suas reais necessidades humanas, além de se fecharem em convicções impessoais, distante da autêntica busca piedosa e racional pela verdade.

Na grande mídia, excetuando a internet, a mensagem personalista raramente ecoa. Parece escassear a lucidez que permite ao homem crítico perceber a desordem estabelecida. O atual quadro midiático defende muitos interesses, que em sua maioria, nenhuma relação tem com ideias ligadas a melhor qualidade de vida das pessoas. Em grande parte das instituições midiáticas, o sistema capitalista é defendido, na mesma medida em que se critica as injustiças sociais, sem levar em conta que em sua forma mais comum, o capitalismo é um regime piramidal, em que poucos têm acesso a muitos bens, enquanto a maioria vive na completa alienação de bens materiais e culturais.

A televisão é uma caixa de incoerências. Por exemplo, nos mesmos canais onde se pode assistir ferozes críticas à violência, pode-se assistir uma programação recheada de atos violentos e desrespeitosos contra a pessoa. Na mesma emissora que, em dado momento, se assiste, por exemplo, uma defesa a causa da mulher, em outro momento, pode-se assistir programas em que a mulher é colocada em situações aviltantes. Uma mesma emissora que explicita protestos em favor da democracia, opta por não levar em conta que a privacidade pessoal é uma conquista democrática; no mesmo canal, o telespectador poderá testemunhar, em alguns programas, a invasão de privacidade de personalidades, e até mesmo de anônimos, na ânsia por mais um furo de reportagem, ou, simplesmente, por mais uma provocação “ao vivo” que garantirá a renovação do contrato de patrocínio ou a conquista de mais uma empresa incentivadora, que pleiteará a permanência do programa e de seus medíocres protagonistas e figurantes, que continuarão fazendo do programa um quadro onde o desrespeito à pessoa será patrocinado e até mesmo, aplaudido.

Qualquer sociedade que despreza a vivência respeitosa e compromissada de pessoas em prol de pessoas corre o sério risco de ampliar sua já caótica situação de sociedade impessoal.

Já é possível perceber a ampliação do caos em nossa atual ambiência social. Sem muito esforço, pode-se claramente testemunhar o declínio do respeito, o desprezo à questão do outro, o enfraquecimento das relações familiares, a proliferação de homens ensimesmados, o aumento da exploração de empresas sobre o trabalhador -, sutilmente, ou mesmo, explicitamente, roubando seu tempo de descanso e de convivência familiar, além da já citada alienação, material e cultural. Podemos afirmar convictos, que a ampliação desse caos pode legitimar a desordem e os desmandos de práticas manipuladoras ou mesmo explicitamente tirânicas.

Se continuarmos ignorando o mal da sociedade impessoal, podemos, mesmo sem intentarmos, dar mais espaço para a reafirmação agressiva, usando os termos de Mounier, da “desordem estabelecida” -, além de uma abertura para uma nova e ainda mais agressiva “ordem imposta”.

Lailson Castanha
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Gravura: Colosso (08 - 1812), de Goya

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Jean Lacroix, Emmanuel Mounier e Jean-Marie Domenach

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