Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Emmanuel Mounier, um filósofo da ação.

*À Prof. Ms. Tânia Sereno.

Temos conhecido ao longo da história vários pensadores que afirmaram e defenderam ideias sobre os mais variados campos da existência. Muitos tentam e tentaram resolver as questões sem ao menos se envolverem diretamente com elas, outros tem ou tiveram nas respostas dadas a firme expressão de sua própria vida. É neste segundo grupo que se enquadra o filósofo francês, Emmanuel Mounier.

Nascido em 01 de abril de 1905 na montanhosa Grenoble, Mounier, filho de uma família modesta, não perde gosto pelas coisas simples da vida, gosto este adquirido no típico convívio de uma família camponesa. No entanto, esta tranquilidade que a vida camponesa lhe oferecia, não lhe desviou a atenção para os desafios que a existência trazia, pois desde cedo desejava o contato com pessoas, contando como natural os problemas que este contato lhe traria. Podemos observar a sua ânsia na sua própria fala: “Encontrar pessoas era tudo o que eu esperava da vida, e eu sentia que isto queria dizer: encontrar sofrimento (...) parecia-me não poder imaginar a alegria senão através da partilha e do conhecimento.” (1)

É tão vívida em Mounier a disposição em lutar, que mesmo vivendo sérias dificuldades, passadas por diversas tragédias como a perda de uma vista e um ouvido ocasionados por dois acidentes na sua juventude (3), ruptura intelectual com um grupo de colaboradores de sua REVISTA ESPRIT que ocasionou no afastamento e saída desses membros, o falecimento do grande amigo Barthélemy que lhe deixou profundamente depressivo, a difícil condição financeira que por várias vezes lhe apertou, a fatídica enfermidade de Françoise, sua primeira filha, que aos sete meses uma encefalite a deixou totalmente inconsciente, seu aprisionamento, as várias censuras e ameaças de encerramento da revista, e os serviços no exército que no início lhe causou estranheza. Contudo isto ele afirma: “Tudo o que acontece para mim é sadio”(4). Com toda a provação que a vida lhe imprimiu, ele não perdeu o interesse pela vida e suas complexidades.

Esta atitude de não resignação diante dos acontecimentos é uma das características mais fortes do caráter de Mounier e que delineia a filosofia por ele defendida. O personalismo, sendo uma extensão da atitude deste filósofo, traça como ideal a ação de acolhimento e afrontamento. Isto significa a necessidade de encarar a realidade sem se demitir, colocar a pessoa não em fuga, mas diante dos fatos e neles envolvidos. Envolvidos, o filósofo, como toda a pessoa humana, devem-se engajar na empresa de humanizar a realidade que o cercam. Esta atitude defendida pelo filósofo foi intensamente vivida na ambiência de sua revista – que buscava através dos escritos, influenciar e motivar as pessoas a agir em prol da comunidade; sua seguinte afirmação ilustra bem este fato: “Tantos inocentes dilacerados, tantas inocências calçadas; esta criancinha, no dia a dia imolada, era talvez a nossa presença ao horror do tempo. Não podemos somente escrever livros. É preciso que a vida nos arranque periodicamente das artimanhas do pensamento.”(5)

Em Emmanuel Mounier, o pensamento nunca pode estar desligado da ação, o verdadeiro pensamento é aquele que está encarnado na pessoa que o pensa, se o mesmo está distante da ação, ou dela divorciado como os vários idealismos, este é apenas um delírio.

Vemos também o pensamento cristão encarnado neste filósofo. Já que para ele, absorvendo as idéias cristãs, o sofrimento era tido como uma vocação, Mounier chegava a vivenciar o paradoxo cristão de se aprazer com o infortúnio, por acreditar que eles estão envolvidos com a desconhecida graça de Deus.

Até o infortúnio de sua filha os fez pensar em outras vidas que vivem infortúnios semelhantes. Observando de outra forma, podemos entender que a dor motivada pela fatalidade de sua filha os fez, na mais pura maneira cristã, transcender, saindo do limite de sua existência individual.

Emmanuel Mounier é um filósofo da ação, porque fez com que o seu pensamento fosse vivenciado em suas manifestações existenciais. Acreditava no primado da “pessoa humana” e com base nesta convicção, lutou contra tudo que diminuísse a dignidade que esta pessoa tem por direito intrínseco. Pregava o acolhimento, acolhendo a realidade, se misturando e se envolvendo a ela e as pessoas que o cercavam e defendia o afrontamento, se engajando no projeto de defender a pessoa humana contra tudo que lhe avilte – mesmo que este afrontamento lhe causasse um desconforto, ou até mesmo a dor.

O afrontamento da pessoa diante das tradições e novidades que se afirmavam, teve em Mounier um profícuo resultado, tendo na REVISTA ESPRIT um dos seus máximos expoentes. Através deste veículo o primado da pessoa humana e a necessidade de ação foram defendidos arduamente, envolvendo pessoas que lutavam a favor das mesmas causas e chamando ao diálogo os que se mostravam contrários.

Em ação, Mounier lutou contra os vários “ismos” que colocam a pessoa integral em segundo plano, contra os fascismos, marxismos dogmáticos e a civilização burguesa capitalista-individualista, defendendo uma civilização personalista-comunitária que leva em conta a pessoa em sua complexidade colocando em questão toda a realidade que as envolvem. Sua vida foi vivida intensamente em meio às controvérsias e as questões que em se envolvera.

Envolvido nas fadigas proporcionadas pelas lutas e trabalhos, lutas estas sempre a favor do “primado da pessoa humana”, este homem de ação morreu vítima de uma parada cardíaca, e até mesmos em seus momentos finais, depois de duas crises que o forçou a um afastamento das atividades, volta ao trabalho. Não resistindo à terceira crise, às três horas da manhã, no dia 22 de março de 1950, morre em ação o homem do engajamento.

“Não seremos decididamente grandes enquanto a vida não nos colocar à prova de nos recusar, inapelavelmente, uma coisa a que aspiramos com toda a nossa ânsia.”(6)
( Emmanuel Mounier)

*Fui muito influenciado pela Prof. Ms, Tânia Sereno em suas aulas de sociologia na Universidade UNIFAI.
Sua atitude engajada fez-me perceber que carrega em seu íntimo a inspiração personalista defendida por Emmanuel Mounier e pelos intelectuais do círculo da Esprit.
Em suas dissertações defendeu intensamente uma sociologia da ação em detrimento as sociologias estritamente descritivas que não se misturam a carne social, e por conseguinte não buscam encontrar soluções, desvencilhando-se do compromisso de apresentar alternativas sociológicas, simplesmente se fechando na empresa de apontar dados e apresentar estatísticas.
Por isso, ao escrever um pouco da trajetória desse filosofo do engajamento – entendi que seria de boa medida oferecer esse simples texto a Prof. Tânia como gratidão a sua atitude, levando se em conta que gratidão por inspiração se paga com atitudes inspiradoras, coisa que a experiência de Emmanuel Mounier transmite com muita força.

______
(1)MOIX, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1968.
(2
Ibidem
(3)SEVERINO
, Antonio Joaquim. A antropologia personalista de Emmanuel Mounier.São Paulo: Saraiva,1974.
(4)
MOIX
, Candide. O pensamento de Emmanuel Mounier. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1968.
(5)
Ibidem
(6)Ibidem

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