Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Aprendendo com os cachorros.

A princípio,aprender com os cachorros pode parecer um ideia bastante grosseira,mas, eu recebi da raça canina uma grande lição. Caminhando pelo centro de São Paulo, especificamente, na avenida São João, eu estava a observar no meio de tantos arranha-céus e embaixo de uma horrorosa obra de engenharia apelidada de "Minhocão"; tanta miséria, tanto lixo, e, quase que fazendo parte dessa horrenda paisagem, tanta gente deitada nas calçadas, juntamente com tanta indiferença por parte dos transeuntes, (que também são pessoas coletivamente transformadas em gente), que alí passam, tão acostumados com essa visão, que para eles, é quase que normal encarar seus semelhante como parte desse cenário. Entre um transeunte envolvido em seus compromissos, e em seus trajes "normais", não existe nenhuma afinidade ou nenhuma possibilidade de contato com essa gente de fora da vida social, com esses excluídos do convívio natural e da cidadania. Confesso que eu só me aproximei desses excluídos pela circunstância do momento; pois eu caminhava pela tal avenida, justamente porque o mesmo mal que assola essa gente que são nossos irmãos me assolava também. O nome desse mal chama-se falta de capital.
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Nesse dia eu caminhava a pé porque estava sem dinheiro para pagar a condução, e o que se passou comigo, de alguma forma fez-me próximo daquelas pessoas, que em sua maioria, além da identidade econômica, são nordestinos que nem eu.
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Nessa caminhada recebi alguns cumprimentos e fiz questão de responde-los, pois estava no meio dos meus semelhantes, "indivíduos", que nem eu, gente com suas individualidades, com seus sonhos e frustrações.
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Mas, nessa história, não sou eu que dou a lição de moral; nessa história a lição é do cachorro. Apesar de cumprimentar aquelas pessoas, não me enturmei com elas, pois eu também, como qualquer transeunte de um grande centro, estava envolvido até a alma nas minhas obrigações, não tive tempo de se aproximar de meus "próximos", e por mais que algumas dificuldades financeiras nos aproximassem, eu ainda não me coloquei verdadeiramente como igual aos meus "semelhantes" a ponto de me misturar com eles, o que houve, foi apenas, um esforço, uma tímida aproximação.
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No meio de tanta miséria e tanta sujeira que nos afastam de nossos semelhantes, lá estava um cachorro, firme e forte ao lado dos "amigos", com uma admirável fidelidade incondicional, não se importando com o cheiro, a cor, a situação ou o estado de seus parceiros, parecendo compreender a necessidade de amizade que sentem aquelas pessoas sofridas, com que, tão naturalmente ele se enturmou.
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É por essas e outras que o cão, é considerado o melhor amigo do homem. Mas, sendo o cachorro considerado o melhor amigo do homem, onde então fica o homem nesta história, na relação com o seu próximo? Não deveria ser o próprio homem o melhor amigo do homem?
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Infelizmente isso não acontece comumente, porque o homem moderno não tem engajamentos, não tem em-si guardados os princípios da verdadeira humanidade, que é o próprio compromisso entre-si, não tem diretrizes e metas de amor para conduzirem a sua caminhada existencial, não percebe, devido ao grande volume de compromissos, que o outro indivíduo é, pela própria condição existencial - seu próximo, e por ser assim, tão próximo existencialmente, não poderia nunca, moralmente falando, ser aviltado ou ignorado.
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Se um cachorro se aproxima de um indivíduo socialmente quebrado, mesmo não tendo consciência da verdadeira condição existencial desse infeliz, muito maior deveria ser a nossa disposição em nos aproximarmos desses tais, justamente porque, ao contrário do inconsciente cão, nós,seres-humanos, discernimos as situações, portanto, e, por termos esta luz, deveríamos nos engajar nesta tarefa de oferecer dignidade aos nossos semelhantes, que só não se assemelham a nós apenas na condição sócio-econômica, pois espiritalmente, somos todos iguais, e essa igualdade já indica o caminho moral para outros tipos de igualdades, como:
igualdade social,econômica e cultural.
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"A forma mais baixa que podemos conceber do universo de homens é aquela a que Heidegger chamou do mundo do "man", mundo em que nos deixamos aglomerar quando renunciamos a ser pessoas lúcidas e responsáveis; mundo da consciência sonolenta,dos instintos anônimos, das relações mundanas, de quotidiano, do conformismo social ou político,da mediocridade moral,da multidão,das massas anônimas,das organizações irresponsáveis. Mundo sem vitalidade e desolado,onde cada pessoa renunciou provisoriamente a sê-lo,para se transformar num qualquer,não interessa quem,de qualquer forma. O mundo do não constitui,nem um nós,nem um todo. Não está ligado a esta ou aquela forma social,antes é em todas elas uma maneira de ser. O primeiro ato duma vida pessoal é a tomada de consciência dessa vida anônima e a revolta contra a degradação que representa". (Emmanuel Mounier)
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Lailson Castanha
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