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Nesse dia eu caminhava a pé porque estava sem dinheiro para pagar a condução, e o que se passou comigo, de alguma forma fez-me próximo daquelas pessoas, que em sua maioria, além da identidade econômica, são nordestinos que nem eu.
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Nessa caminhada recebi alguns cumprimentos e fiz questão de responde-los, pois estava no meio dos meus semelhantes, "indivíduos", que nem eu, gente com suas individualidades, com seus sonhos e frustrações.
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Mas, nessa história, não sou eu que dou a lição de moral; nessa história a lição é do cachorro. Apesar de cumprimentar aquelas pessoas, não me enturmei com elas, pois eu também, como qualquer transeunte de um grande centro, estava envolvido até a alma nas minhas obrigações, não tive tempo de se aproximar de meus "próximos", e por mais que algumas dificuldades financeiras nos aproximassem, eu ainda não me coloquei verdadeiramente como igual aos meus "semelhantes" a ponto de me misturar com eles, o que houve, foi apenas, um esforço, uma tímida aproximação.
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No meio de tanta miséria e tanta sujeira que nos afastam de nossos semelhantes, lá estava um cachorro, firme e forte ao lado dos "amigos", com uma admirável fidelidade incondicional, não se importando com o cheiro, a cor, a situação ou o estado de seus parceiros, parecendo compreender a necessidade de amizade que sentem aquelas pessoas sofridas, com que, tão naturalmente ele se enturmou.
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É por essas e outras que o cão, é considerado o melhor amigo do homem. Mas, sendo o cachorro considerado o melhor amigo do homem, onde então fica o homem nesta história, na relação com o seu próximo? Não deveria ser o próprio homem o melhor amigo do homem?
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Infelizmente isso não acontece comumente, porque o homem moderno não tem engajamentos, não tem em-si guardados os princípios da verdadeira humanidade, que é o próprio compromisso entre-si, não tem diretrizes e metas de amor para conduzirem a sua caminhada existencial, não percebe, devido ao grande volume de compromissos, que o outro indivíduo é, pela própria condição existencial - seu próximo, e por ser assim, tão próximo existencialmente, não poderia nunca, moralmente falando, ser aviltado ou ignorado.
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Se um cachorro se aproxima de um indivíduo socialmente quebrado, mesmo não tendo consciência da verdadeira condição existencial desse infeliz, muito maior deveria ser a nossa disposição em nos aproximarmos desses tais, justamente porque, ao contrário do inconsciente cão, nós,seres-humanos, discernimos as situações, portanto, e, por termos esta luz, deveríamos nos engajar nesta tarefa de oferecer dignidade aos nossos semelhantes, que só não se assemelham a nós apenas na condição sócio-econômica, pois espiritalmente, somos todos iguais, e essa igualdade já indica o caminho moral para outros tipos de igualdades, como:
igualdade social,econômica e cultural.
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"A forma mais baixa que podemos conceber do universo de homens é aquela a que Heidegger chamou do mundo do "man", mundo em que nos deixamos aglomerar quando renunciamos a ser pessoas lúcidas e responsáveis; mundo da consciência sonolenta,dos instintos anônimos, das relações mundanas, de quotidiano, do conformismo social ou político,da mediocridade moral,da multidão,das massas anônimas,das organizações irresponsáveis. Mundo sem vitalidade e desolado,onde cada pessoa renunciou provisoriamente a sê-lo,para se transformar num qualquer,não interessa quem,de qualquer forma. O mundo do não constitui,nem um nós,nem um todo. Não está ligado a esta ou aquela forma social,antes é em todas elas uma maneira de ser. O primeiro ato duma vida pessoal é a tomada de consciência dessa vida anônima e a revolta contra a degradação que representa". (Emmanuel Mounier)
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Lailson Castanha
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