JOSÉ CARLOS FERREIRA CUNHA
NEUSA COSTA GOMES
RODRIGO SOUSA NAVARRO
A VALORIZAÇÃO
DA PESSOA NO PERSONALISMO MOUNIERIANO
JOSÉ CARLOS FERREIRA CUNHA
NEUSA COSTA GOMES
RODRIGO SOUSA NAVARRO
A
VALORIZAÇÃO DA PESSOA NO PERSONALISMO MOUNIERIANO
Monografia do Trabalho de Curso (TC)
apresentada ao Centro Universitário Ítalo Brasileiro, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Licenciado em Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr.
José Ferraz Neto.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. José Ferraz Neto, pela
orientação e apoio aos participantes do trabalho de Conclusão de Curso e pela
atenção e incentivo sempre presentes dedicamos nossa admiração e respeito.
A aluna Ana Cláudia de Araujo e Lailson
Castanha que sempre esteve presente na produção do trabalho de Conclusão de
Curso, agradecemos o incentivo e o apoio constante no resultado final das
pesquisas.
Aos amigos, funcionários e professores deste
Centro Universitário agradecemos o apoio.
Enfim, agradecemos a todos que de uma maneira
ou de outra contribuíram para que pudéssemos concluir o curso.
E não sou um leve e soberano cogito no céu das ideias, mas
este ser pesado, cujo peso só será dado por uma expressão pesada; eu sou um
eu-aqui-agora; seria preciso sobrecarregar ainda mais e dizer um
eu-aqui-agora-assim-entre estes homens com este passado.
Emmanuel Mounier
RESUMO
A filosofia personalista animada pelo pensador
Emmanuel Mounier identifica um tema tradicional e profundo, que habilita a
interioridade, a exterioridade e a transcendência e um único enunciado: A
Pessoa Humana.
Para um significado mais estrito a Pessoa
Humana é para o autor um ser de integralidade representado pela unicidade que
dela pode conservar, ela é um ser de características, tanto, materiais, quanto,
espirituais.
É sempre um ser que constrói seu projeto
através da comunicação com o outro, um ser que dialoga com a modernidade e que
acaba fundamentando a projeção comunitária.
O personalismo é a valorização e a defesa da
Pessoa Humana em todos os aspectos da construção filosófica, esta filosofia não
representa um sistema, mas, o fundamento de uma filosofia livre de imposições
teóricas.
O resultado das pesquisas aprofunda a noção
do termo Pessoa Humana, de forma fecunda e com a possibilidade de maiores
esclarecimentos sobre o assunto. Em parte tende a ver na “Pessoa” um conceito
completo que valoriza a possibilidade de um novo projeto em conformidade com a
filosofia de Emmanuel Mounier, o de uma leitura atual do personalismo, hoje,
chamado de transpersonalismo.
Palavras-chave: interioridade, exterioridade
e transcendência.
ABSTRACT
The
personalist philosophy lively thinker Emmanuel Mounier identified by a
traditional and profound theme, which enables interiority, exteriority and
transcendence and a single statement: The Human Person.
For
a narrower meaning to the Human Person is the author of a being represented by
the integral unity that can save her, she is a being of features, both
materials, as, spiritual.
It
is always a being who builds your project by communicating with each other, one
being that dialogues with modernity and just basing Community projection.
Personalism
is the appreciation and defense of the Human Person in all aspects of
philosophical construction is philosophy is not a system, but the foundation of
a free philosophy of theoretical constraints.
The
result of the research deepens the understanding of the term Human Person,
fruitfully and with the possibility of further clarification on the matter. In
part tends to see the "person" a complete concept that values the
possibility of a new project in accordance with the philosophy of Emmanuel Mounier,
to a current reading of personalism, today called transpersonalismo.
Keywords:
interiority, exteriority and transcendence.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO.......................................................................................9
CAPÍTULO 2 BIOGRAFIA.........................................................................................13
CAPÍTULO 3
NOÇÃO DE PESSOA SEGUNDO O PERSONALISMO.....................16
3.1 Pessoa como um ser
integral............................................................................17
3.1.1
Interiorização e
recolhimento............................................................................21
3.1.2
Obstáculos à comunicação...............................................................................23
3.1.3
Afrontamento.....................................................................................................24
3.1.4 Abertura
e
comunicação....................................................................................25
4. CRISE
DA CIVILIZAÇÃO......................................................................................28
4.1 Crise da
pessoa.................................................................................................
34
4.1.1 A
desordem estabelecida e a ordem imposta.................................................. 37
CAPÍTULO 5 O
ENGAJAMENTO EM PROL DA PESSOA......................................42
CAPÍTULO 6
CONCLUSÃO......................................................................................46
REFERÊNCIAS..........................................................................................................48
CAPÍTULO
1 INTRODUÇÃO
Falar
sobre pessoa humana é assumir um tema complexo e nem sempre resolvido na
ambiência filosófica. Não são todos os sistemas que abordam esse termo,
e, em alguns sistemas filosóficos o termo pessoa é substituído pelo termo
indivíduo, significando, como na definição de Zubiri, “um ente singular” (MORA, 2001, p. 380). Porém, na filosofia personalista, é
fundamental a distinção do termo pessoa do termo indivíduo, e a ênfase nesta distinção
se dá no fato de que, para o personalismo, o termo indivíduo, quando se refere
ao ser humano, é um termo superficial, que não alcança todas as dimensões desse
ser. Por esse motivo, se faz necessário adotar um termo que alcance a
amplitude, a integralidade do ser humano.
Tendo
essa preocupação como um dos pilares de sua filosofia, o filósofo francês,
Emmanuel Mounier (1905-1950), juntamente com um grupo de intelectuais, se
engajou na prática de fundamentar teoricamente a profundidade do ser humano, e,
em meio a essa procura, adotou o termo “pessoa” como uma palavra que define a
essência do ser humano, um ser de características tanto materiais, como também,
transcendentes.
O projeto de Mounier, em sintonia com
a questão da crise da civilização, e, consequentemente, crise da pessoa,
engendrou a Revista Esprit, que segundo Moix, importante biógrafo de
Mounier, “não era uma revista política, mas implicava um engajamento” (MOIX,
1968, p.15), um compromisso em lutar pela adoção de um sistema que
privilegiasse a vivência da pessoa humana, ou, em outras palavras, que
permitisse ao ser humano assumir sua integralidade, e, além de permitir,
favorecesse essa possibilidade.
A
filosofia personalista, ao enfatizar a questão da pessoa não teve apenas no
círculo de amigos de Mounier sua única expressão. O personalismo, como ideia
que destaca a questão da dignidade fundamental da pessoa, pode ser encontrado
em várias abordagens filosóficas, independentemente da adoção da nomenclatura.
Pode-se falar em personalismos. Porém, apesar de o termo ter sido usado em
outros momentos antes de Mounier, em outras abordagens, sendo na própria França,
empregado por Renouvier (1815-1903), somente na pessoa do filósofo que estamos
a destacar, a filosofia personalista ganhou maior rigor e especificidade
conceitual. A partir de Mounier, o personalismo estabelece claros parâmetros do
que vem a ser uma filosofia da pessoa, além de construir um ideário que
possibilite um maior desenvolvimento teórico, ou seja, a transformação das
abordagens personalistas em uma identificação filosófica.
A partir do claro estabelecimento da
filosofia personalista, ou seja, quando o personalismo ganhou sua identidade
fundamental, além de especificar o universo pessoal, os personalistas também
procuraram revelar as práticas, ou os sistemas que negavam a pessoa. Dentre
essas práticas e sistemas, entre os personalistas, entende-se que todo sistema
que apenas percebe as necessidades materiais do ser humano, nega a sua
integralidade pessoal.
A filosofia personalista também estabelece que
a disposição política que define que a necessidade fundamental do indivíduo é a
mesma necessidade coletiva, ignora a profundidade que cada ser possui, e com
isso, a impossibilidade da universalização de suas necessidades. Se todo ser é
ser pessoal e por definição, único, não é possível que todas as suas necessidades
sejam necessidades comuns, não é possível que um tratamento coletivo alcance as
múltiplas necessidades do ser pessoal. Além disso, todo sistema que defende a
saciedade do ser humano em práticas individualistas é rejeitado pelo
personalismo.
Por isso, como já destacamos, a
filosofia personalista rejeita o vocábulo indivíduo, como referência ao ser
pessoal. No entendimento de Mounier o ser humano é um ser de comunicação, sendo
assim, não pode bastar-se em si mesmo, ele não pode alcançar sua plenitude
fechado em concepções e ações individualistas. Fazer-se pessoa é nutrir-se
interiormente, e interiormente dialogar, e também, um constante
exteriorizar-se, um constante diálogo com o outro. Não existe pessoa totalmente submersa na
coletividade, como também, é impossível fazer-se pessoa em total
individualidade.
A filosofia personalista, embora
buscasse definir parâmetros de ideias e ação, por levar a sério a pessoa com
toda a sua criatividade e exigência, esteve implicada na impossibilidade de se
fechar em sistematizações rígidas que negassem a liberdade e as necessidades
sempre abertas da pessoa. Admitindo ser a pessoa um universo, e, além disso, um
universo sempre em construção, o personalismo como filosofia da pessoa não pode
configurar-se como um manual de ideias inflexíveis. Segundo Mounier, “O
personalismo também é uma filosofia que caminha” (MOUNIER, 1956, p.164 apud MOIX,
1968, p.181).
Caminhar filosoficamente é estar em
sintonia com as demandas e as exigências dos tempos atuais. É ter a possibilidade
de poder dialogar com os temas da hodiernidade. Ser uma filosofia que caminha é
ser uma filosofia que sempre dialoga com o hoje e que não está presa em
conceitos dogmáticos que limitam as possibilidades, necessidades e
responsabilidades da pessoa.
O caminhar personalista fez o tema
pessoa ganhar ainda mais peso, mais importância, fez do tema pessoa um
despertar filosófico, por isso, abordar o conceito personalista de pessoa, é
ter a possibilidade de se deparar filosoficamente, tanto com questões da pessoa
tidas como já superadas, como com temas atuais, através do entendimento de
filósofos que fizeram da pessoa um dos temas basilares.
Outras questões que nos fizeram
valorizar o estudo do tema pessoa no personalismo se dão no fato de que há muito
que se explorar das abordagens personalistas sobre a pessoa humana, e, por ser
um tema que, apesar de sua fecundidade, ainda ser pouco trabalhado nos círculos
acadêmicos. Ademais, a valorização personalista ao tema pessoa, também é
percebida e explorada em vários compêndios filosóficos, como, e, por exemplo,
na obra História da Filosofia, de Giovanni Reale, dicionários de filosofia e
alguns livros didáticos filosóficos direcionados para o Ensino Médio (VANNUCCHI,
1977 P.136; VERGEZ/HUISMAN, 1982 p. 421; NIELSEN NETO, 1986 p. 207; SEVERINO,
1994 p.197), dando mostras de sua importância, visibilidade e pertinência.
Mesmo com a filosofia personalista não
mais contando com publicações atualizadas das obras de Mounier e outros
importantes filósofos desse pensamento filosófico, ainda assim, é possível
encontrar obras de diversos comentaristas, inclusive especialistas brasileiros,
como é o caso de Antonio Joaquim Severino, que abordam os principais temas
personalistas, interpretando as questões desenvolvidas pelo filósofo de
Grenoble e outros companheiros de ideias. Também, nos meios telemáticos, importante fonte de informação no mundo globalizado,
juntamente com a filosofia personalista, o tema pessoa é amplamente abordado e
ponderado.
Nas mais conhecidas reflexões da
Filosofia Ocidental percebe-se que o tema pessoa não é muito explorado,
comumente, salvo algumas exceções, fala-se em sujeito e indivíduo. A
preocupação com esse tema é percebida em uma minoria que se perde em relação às
grandes questões abordadas na ambiência filosófica. Diante dessa realidade
algumas questões se levantam: o que é a pessoa para o personalismo? Por que é
importante a abordagem do tema pessoa introduzido pelo personalismo
mounieriano?
Cremos que, se o tema pessoa,
destacado no personalismo, ainda é revisitado por outros pensadores em nossos
dias, sendo lhe conferido certa dignidade intelectual, o ato de acolher as
reflexões que ele provoca, torna-se um ato apropriado por estar em sintonia com
as exigências do pensamento contemporâneo.
Partindo do princípio que ainda há
muito que se explorar das abordagens personalistas sobre a pessoa humana na
Academia e demais ambientes de reflexão, e percebendo a possibilidade de o
labor filosófico de Mounier sobre problema da pessoa ainda ser proveitoso,
propomos, nesse trabalho, ainda que de maneira simples, compartilhar algumas
questões relacionadas à pessoa acentuadas pela filosofia personalista,
enfatizando sua proposta de valorizar a pessoa como ser integral.
CAPÍTULO
2 BIOGRAFIA
Emmanuel
Mounier nasceu no dia 1 de Abril de 1905 na montanhosa Grenoble, França. Segundo
Severino (1974), herdou sua piedade de sua filiação católica, fazendo de sua
catolicidade o impulso para uma vida de contemplação e paixão pela reflexão. Da
rusticidade de sua família montanhesa, pais e avós, moldou sua prática
reflexiva, adotando uma reflexão verdadeira, em detrimento a reflexão
intelectualista. Seu entusiasmo reflexivo despontou prematuramente.
Apesar
da sua leveza, Mounier viveu significativas tragédias. Sua vida foi pautada
pela dor, pela perda e pela fragilidade física. Ainda em sua juventude teve
parte de sua visão e audição afetadas, porém, nada disso foi suficiente para
prejudicar sua a alegria e o compromisso com a vida. Apesar de sua vocação
filosófica, por conta de certa pressão familiar com intento de afastá-lo da
timidez perpetuada por sua tendência à meditação, cursou medicina, engenho que
não levou a cabo. Angustiado por não se adaptar ao curso, com apoio da própria
família, passou a estudar filosofia, entre 1924 e 1927 sob a orientação de
Jacques Chevalier, com o fim de ingressar na vivência religiosa.
Aos
22 anos muda-se para Paris onde é aprovado em 2º lugar no Concurso, recebendo
uma bolsa de doutoramento com duração de três anos. Dá início, então, ao seu
doutoramento na Sorbonne. Porém, rejeitando o academicismo impessoal, Mounier
desliga-se da vida estritamente acadêmica, por ser ele incapaz de adequar-se ao
frio academicismo, como explicita em uma carta à Jacques Chevalier:
“Decididamente,
sou incapaz da atitude objetiva daqueles jovens que se colocam diante dos
problemas como diante de uma peça de anatomia, e diante da própria carreira
como diante de um mecanismo a montar-se metodicamente até o ponto fixo (...)
está gente me desgostou de seu método e me teriam, empacotando tudo, desgostado
da filosofia, se não houvesse o senhor, o meu passado e a verdadeira filosofia
que disso não é responsável” (MOUNIER, p.433-434 apud
SEVERINO, 1974, p.4, grifo do autor).
Severino (1974) destaca que antes de sua
total decisão por abandonar o curso, na busca por orientação de temas para sua
tese, por influência de Henri Delacroix, Mounier, começa a versar sobre as
questões da pessoa. Também influenciado pelo pensamento de Péguy, permite que
sua vocação ganhe corpo, impulsionando-o a posturas mais engajadas em prol de
uma civilização apropriada para a vivência da pessoa. Com um grupo de amigos de
grande peso intelectual, como Georges Izard, Jean Lacroix, Nicolas Berdiaeff,
Denis de Rougemont lança a Revista Esprit.
Quase
todas as inquietações filosóficas, sociais e éticas surgem em meio a questões
que se levantam. A questão acolhida pela filosofia personalista não foge a essa
regra. Mounier é um filósofo do período “entreguerras” (11
de Novembro de 1918 - 01 de Setembro de 1939); viveu em plena crise da Civilização Ocidental.
Essa
vivência despertou não somente em Mounier, como em vários pensadores de sua
época certa inquietação -, angústia provocada pelos acontecimentos de sua
época, fatos que marcaram o aviltamento da pessoa humana. Vários intelectuais
atingidos por esse problema responderam de maneira incisiva, com a criação de
revistas, panfletos e até mesmo sistema de ideias. Entre eles, além de Mounier
e seu círculo de amigos, pode-se citar, Ortega y Gasset, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, etc. Portanto, a
prática engajada de Mounier foi uma prática contextualizada, em sintonia com as
demandas de sua época.
Registra
Lacroix que sua prática foi de ruptura, revelada com muita clareza em um dos números
da Revista Esprit intitulado Ruptura
da ordem cristã e da desordem estabelecida. (LACROIX, 1969)
Ser
filósofo, para Mounier, é estar engajado, é estar envolvido nas questões
urgentes. Dessa ideia, fez de seu pensamento sua vida. Como destaca Domenach (1969, p. 10), “O pensamento de Mounier, se
desenvolveu dentro de um contexto histórico agitado; “não cessou de combater
[...]”. Além das diversas obras lançadas, o filósofo personalista,
vivendo intensamente seu pensamento, sofreu algumas prisões, por rejeitar a
imposição política nazista imposta sobre a França e por envolvimentos
contrários ao regime de Vichy. Além das prisões, o regime de Vichy aplicou
sanções a Revista Esprit
interditando-a por algum tempo.
Casou-se
em Bruxelas com Paulette Leclerq, em 1935, tendo três filhas; a mais velha,
sofre aos 7 meses de encefalia, ficando em permanente estado vegetativo.
Em
1939, foi feito prisioneiro pelos alemães. Em 15 de Janeiro 1942, é acusado de
pertencer ao movimento Combat, sendo
libertado em 21 de Fevereiro. No mesmo ano, no dia 9 de Abril, é preso
novamente e protestando contra a medida faz greve de fome que durou 12 dias.
Libertado novamente, volta à prisão no dia 8 de julho até o julgamento
definitivo do processo Combat a 26 de
Outubro, do qual foi absolvido. No último encarceramento, redigiu uma
significativa parte de sua obra mais extensa, Traitè du Caractère.
Em
plena vivência de seu pensamento, em pleno engajamento, agindo sem nunca
desistir, ou, usando sua expressão, encarnando suas ideias ao pondo de
privar-se de alguns confortos, com a mente fecunda, porém, com o corpo
fragilizado, aos 45 anos, em 1950, morre em Paris Emmanuel Mounier, vítima de
um colapso cardíaco. Deixou inúmeras obras, das quais, dentre importantes obras
assinaladas por Severino (1974) destacamos:
Rèvolution personnaliste et
communautaiere (1935);
Manifesto ao serviço do personalismo
(1936);
L’affrontement chrètien (1945);
Introdução aos existencialismos
(1946);
Traitè
du Caractère (1946);
O personalismo (1948);
Sombras de medo sobre o século
XX(1948);
A esperança dos desesperados (1953).
CAPITULO
3 NOÇÃO DE PESSOA SEGUNDO O PERSONALISMO
O tema pessoa é um dos temas basilares e
impulsionadores do personalismo, é um dos seus pontos norteadores. Em outras
palavras pode-se afirmar que não há personalismo desconsiderando o tema pessoa,
ou colocando-o em segundo plano, como afirmou Lacroix (1964, p. 06) “O único
personalismo possível é aquele que tiver em conta a totalidade do ser real” -,
totalidade essa, em linhas gerais, traduzida pelos personalistas como pessoa.
Lendo obras personalistas, claramente se
percebe como proposta fundamental e causa motivadora do personalismo a
valorização da pessoa e a necessidade do engajamento em prol de sua vivência na
sociedade. Mounier e seus demais companheiros de ideias se lançaram na tarefa
de destacar a dignidade da pessoa e a urgência de sua valorização em uma civilização
edificada em ideários individualistas.
Para que esse desafio alcançasse êxito, fez-se
necessário, também, valorizar o tema pessoa na ambiência filosófica, até então,
demasiadamente envolvida em temas idealistas, ou, por outro lado, reduzida a
questões materialistas. Porém, para valorizar o tema pessoa, outra tarefa se
apresentou como necessária, a saber, o entendimento da pessoa.
Apesar da ênfase no tema pessoa, Mounier
admite a impossibilidade prática de definir a Pessoa, pelo fato de que “só se
definem os objetos exteriores ao homem, que se podem encontrar ao alcance de
nossa vista. Mas a pessoa não é um objeto. Antes, é exatamente aquilo que em
cada homem não é passível de ser tratado como objeto” (Mounier, 1964, p.17-18). Segundo Mounier (1971,
p.39), “a pessoa é um absoluto em relação a toda outra realidade material ou
social e a toda outra pessoa humana”. Por ser esse absoluto, para os
personalistas, a pessoa se faz indefinível, e, por não ser objeto, não pode ser
definida como se assim o fosse.
Porém, apesar de seu caráter
indefinível, de sua profundidade que foge a objetivação, isso não significa que
sua fundamentação assenta-se no reino do indizível. Sobre pessoa Mounier (2004,
p.16) afirma: “É uma atividade vivida de auto-criação, de comunicação e de
adesão, que em ato, como movimento de personalização, alcançamos e conhecemos”.
No personalismo é muito enfática a ideia de ser a pessoa um ser de autocriação
e de comunicação, um ser que se constrói a partir de sua existência concreta. Igualmente,
não se pode pensar em pessoa, sem pensar em sua história, geografia, suas
relações, suas realizações e seu pensamento. Não se pode pensar em pessoa
desconsiderando a sua realidade de um ser fincado na existência concreta. O
mesmo filósofo, buscando destacar alguns traços da pessoa, afirma de maneira
significativa:
Eu não sou um leve e
soberano Cogito no céu das ideias, mas este ser pesado cujo peso só será dado
por uma expressão pesada; eu sou um eu-aqui-agora; seria preciso sobrecarregar
ainda mais e dizer um eu-aqui-agora-assim-entre estes homens com este passado
(MOUNIER 1971, p. 79).
Na assertiva
em destaque, Mounier coloca em relevo a concretude da pessoa, e é sobre essa
questão, a partir da interpretação de Mounier e outros personalistas, que nos
debruçaremos nesse capítulo.
3.1
Pessoa como um ser integral
Falar em pessoa, no conceito
personalista, é assumir a integralidade do homem, é destacar que ser humano em
seu sentido mais profundo é muito mais que indivíduo ou um pertencente a
determinado grupo. Por consequência, assumir a realidade pessoal é aceitar que
há exigências que ultrapassam os aspectos materiais deste ser e que há
necessidades materiais que o firmam em sua realidade física. Pode se falar, que
ao destacar a pessoalidade, a filosofia personalista está apontando para um
fato marcante do humano, como relata Mounier, em uma de suas mais significantes
caracterizações do ser humano: “O homem é corpo, exatamente como é espírito, é
integralmente ‘corpo’ e é
integralmente ‘espírito’” (MOUNIER, 2004 p.29, grifo do autor).
Em outro momento afirma: “[...] existir
subjetivamente, existir corporalmente são uma única e mesma experiência”
(MOUNIER, 2004, p. 36). Portanto, o destaque na integralidade do ser humano é
uma das mais notáveis ênfases personalistas. Afirmando essa integralidade,
Mounier lança a pedra fundamental de seu pensamento, ao passo que se distancia
das filosofias idealistas.
Se o homem é integralmente corpo e espírito,
pode-se entender que não há uma dualidade divisória em sua constituição. Não há
duas realidades -, física e espiritual. O personalismo define o homem como uma
inseparável realidade, e apesar de apontamentos que a separam, em sua
realidade, essa separação não encontra concretude.
Se não há separações concretas, há,
porém, necessidades concretas. Há necessidades espirituais e há necessidades
físicas. Essa duplicidade de necessidades, apesar de aparentar uma dualidade
divisória, com efeito, não se configura como tal, como pressupõe alguns
idealismos. O homem faminto, como consequência da fome pode se fazer um homem
angustiado, ou um homem marcado pela dor espiritual, pode ser acometido por
doenças psicossomáticas e de alcance físicos. Ainda destaca Mounier (2004, p.
29):
O
meu feitio e a minha maneira de pensar são amoldados pelo clima, a geografia, a
minha situação à face do globo, a minha hereditariedade, e, talvez, até, pela
ação maciça dos raios cósmicos. Para além destas influências, temos ainda,
posteriores determinações, psicológicas e coletivas. Nada há em mim que não
esteja imbuído de terra e de sangue.
Há que se destacar que esse vivente da
natureza não está preso à realidade orgânica e material. Apesar dos traços
marcantes que a natureza em nós imprime - como pessoa podemos transcendê-la,
como entende Mounier (2004), apesar de sua ligação com natureza, à
singularidade do homem assenta-se no fato de ele poder romper com sua estrutura
natural, de ser capaz de ultrapassá-la, e nessa superação, ser capaz de
amar.
Se a pessoa é um ser que transcende,
devem ser destacados os atributos que fazem possível o alcance dessa
transcendência. Podemos, mesmo antes de destacar os atributos libertadores da
pessoa, negar possíveis determinismos. Segundo Mounier (2004, p. 32), “Aquele
que invoca fatalidades naturais para negar as possibilidades do homem,
abandona-a a um mito ou tenta justificar uma demissão”. Uma pessoa com sua
liberdade criadora pode ressignificar sua condição, não deve ficar presa a
significações impostas ou a impressões estabelecidas.
Como homens, podemos reinventar e
interpretar nossa realidade sem ficarmos presos a significações fatalistas.
Pensando sobre essas possibilidades, Mounier acentuou que, por não se acomodar
em sua condição natural, o homem, a partir de suas necessidades, desenvolveu
novas potencialidades, por exemplo, naturalmente não podendo voar, com o conhecimento
das leis da aerodinâmica, promoveu suas potencialidades e possibilidades para
capacidade de voar.
A integralidade da pessoa assenta-se em
alguns dados: ela transcende a materialidade, porém, num duplo aspecto, é,
também, imanente. Não está presa intrinsecamente em um destino, não é
absolutamente determinada por condições exteriores, ela se reinventa a partir
de sua liberdade criadora, como afirma Mounier:
"A pessoa é uma labareda de liberdade, e é por ela que
se conserva obscura, como o coração da chama. É porque se recusa a mim como um
sistema de noções claras, que se revela e se afirma como fonte de
imprevisibilidade e criação".
(MOUNIER, Tratado del caracter; versión
castellana. Buenos Aires: Ediciones Antonio Zanora, 1955. p. 71.)
Em sua vivência integral, pessoa se
distancia de indivíduo e de sujeito, pois não se fecha em suas necessidades
exteriores e muito menos se reduz a necessidades coletivas ou a determinações
institucionais, visto que sujeito é sujeito para um objeto (MORA, 2001 p. 2793)
ou, segundo Aristóteles, aquilo de que se pode dizer qualquer coisa (ABBAGNANO,
2007 p. 1096). Segundo Mounier, pessoa não é indivíduo pois:
"Chamamos
indivíduo à difusão da pessoa na de sua vida e sua condescendência em nela se
perder exterioridade. (...) A pessoa é o volume total do homem. (...) É o
equilíbrio em comprimento, largura e profundidade, é tensão em cada homem, de
suas três dimensões espirituais: a dimensão profunda que o encarna; a vertical
que eleva ao universal, e a horizontal que o leva a comunhão, Vocação,
encarnação, comunhão, três dimensões da pessoa" (MOUNIER Revólution
176-178, apud DOMENACH org, 1969 p. 64).
A pessoa em sua integralidade, também, se
distancia da vivência de sujeito, pois não se reduz a necessidades coletivas ou
a determinações institucionais, visto que "a sociedade, isto é, o regime
legal, jurídico, social e econômico não tem por missão, nem subordinar a si
pessoas, nem assumir a realização de sua vocação”... É a pessoa que faz seu
destino: outra pessoa, nem homem, nem coletividade pode substituí-la (MOUNIER
Revólution 175-176, apud DOMENACH org, 1969 p. 64).
O destaque personalista à necessidade da
assunção da pessoa integral, se identifica em muitos aspectos com a filosofia
existencialista, de raiz fenomenológica. A própria caracterização do ser
humano, como Dasein, ou seja, ser-aí
como aprofunda Heidegger: "esse ente, que nós mesmos sempre somos e que,
entre outras possibilidades de ser, possui a de questionar, designamos com o
termo Dasein".
O personalismo aponta o devir em relação
ao ser, pois, o ser está sempre em potencia para transformar-se em ato, o nada
nunca pode ser tido como identidade, tornando a pessoa humana uma atualização
constante, o fenômeno eleva a pessoa a necessidade de um devir, ela é o
resultado do ser em potência, o nada representa uma privação. (ABBAGNANO, 2007
p. 268). A pessoa sempre opera o vazio do mundo que a rodeia, gerando a ruptura
concentrada, pois, seu estado interior é de permanente coversão intima evidenciada
na existência.
Heidegger afirma: "o caráter do ser
humano é o der ser oposto do que está encerrado em si próprio" (HEIDEGGER,
apud MOUNIER, 1963, p.102). A
admissão da filosofia existencialista/fenomenológica do ser humano como um ente
situado, em construção e não determinado aproxima-se do conceito personalista
de pessoa humana. Pode-se afirmar que há "estreita solidariedade entre as
preocupações existenciais e as preocupações personalistas” (MOUNIER, 1963 p.
97). No entendimento de Mounier, ser pessoa integral, ou seja, "viver
intensamente":
"é
ser-se exposto, no duplo sentido em
que a palavra designa a disponibilidade às influências interiores e ao affrontemment, característico da pessoa,
a coragem de se expor. Viver
intensamente, é assumir uma situação e sempre novas responsabilidades, e
incessantemente ultrapassar a situação adquirida” (MOUNIER, 1963 p. 103).
Apesar de não excluir distanciamentos entre os conceitos
pessoa (integral) destacado pelo personalismo, e os conceitos existencialistas
existente ou Dasein (ser aí), o entendimento de Mounier solidifica uma
aproximação, por destacar a importância da presença concreta do ser humano
juntamente com os seus problemas, necessidades e apelos concretos.
3.1.1 Interiorização e recolhimento
Segundo o personalismo, a pessoa é
sempre um ser convocado para a abertura, para a comunicação. Em sua vocação
comum, a pessoa é um ser para o mundo, ser de comunicação, de relação, contato,
de aproximação e de envolvimento com pessoas.
Esse desafio comum a expõe. A pessoa exposta no mundo é continuamente
afrontada, é provocada e tentada a se desfazer, assumindo posturas que anulem a
sua dimensão interior, sua pessoalidade.
Em um mundo onde predomina a
animalidade e o gosto simples, o homem é tentado a viver como uma coisa, essa
tentação implica no abandono das exigências de uma vida pessoal. Pode-se falar
enfaticamente que o acolhimento a essa tentação consiste em uma demissão em
favor de projetos inautênticos, em projetos acolhidos a partir de uma atitude passiva,
de uma resignação pessoal ante as tendências ou a propostas determinadas pelo
meio em que o sujeito está inserido.
Em outras palavras, o acolhimento dessas
propostas tentadoras que obscurecem os projetos pessoais, implica na
coisificação da vida; compromete a dimensão pessoal do homem, fazendo-o viver
como uma coisa. Porém, o homem não é uma coisa. Sobre esse problema, Mounier
(1974, p. 82), comenta:
O
homem pode viver como uma coisa. Mas, como não é uma coisa, uma tal vida
apresentará sempre o aspecto de uma demissão: seja o divertissiment de Pascal, o estádio
estético Kierkegaard, a vida
inautêntica de Heidegger, a alienação
de Marx ou a má-fé de Sartre. O homem do divertimento vive como que expulso de
si próprio, confundido com o tumulto exterior: assim o homem prisioneiro de
seus apetites, funções, hábitos, relações, dum mundo que o distrai. Vida
imediata, sem memória, sem projetos, sem domínio, e que é a própria definição
de exterioridade, ou, à escala humana de vulgaridade. A vida pessoal começa com
a capacidade de romper contatos com o meio, de rispostar, de recuperar para
através duma unificação tentada, se construir uma só.
Se o homem não é uma coisa, mas, vive
ameaçado pela coisificação que a sua abertura, que o seu contato e relação com
o mundo o faz esbarrar, faz-se necessário à adoção de uma postura proativa,
faz-se necessário um recuo que o possibilite realimentar sua dimensão interior
reavivando o compromisso e suas exigências pessoais, visando voltar à prática
relacional com o mundo com mais qualidade e lucidez, reanimado pelo reencontro
consigo, ou seja, com sua dimensão pessoal e suas implicações.
O recolhimento é esse recuo estratégico
que faz o homem relembrar as exigências e compromissos pessoais e reanimar-se
no cumprimento dessa tarefa pessoal. Como afirma Mounier (1974, p. 82):
[...]
A primeira vista este movimento é um movimento de fuga. Essa fuga não é senão
um tempo dum mais complexo movimento. Se alguns ficam por ai e ai se agitam, é
apenas porque interveio uma perversão. O importante não é a fuga, mas a
concentração, a conversão de forças.
A pessoa só recua, para depois saltar melhor.
Ao assumir uma vida pessoal, ou seja,
autêntica, o ser humano é levado à vivência de questões e tensões que só podem
ser problematizados na solidão pessoal. “A solidão não nos surge assim com um
fim, mas como um meio necessário de recolhimento: em grupo não se atinge a
tensão necessária à existência autêntica” (MOUNIER, 1963, p.99). Abrindo mão dessa solidão, o homem permite
que sua pessoalidade, seu projeto pessoal seja esvaziado ou enfraquecido, e por
consequência, faz aderência à vida inautêntica que como pessoa deveria
combater.
Se a proposta personalista fundamental
assenta-se no reconhecimento da necessidade de toda vida humana redundar em
vida pessoal, consequentemente, essa proposta de personalização, combate à
vida, ou qualquer proposta de vida, que faça aderência ao universo do
impessoal, pois essa postura caracteriza uma negação da pessoa.
Como prática personalista, recolher-se é
ato de proteger e reanimar a vida pessoal, que entrará em contato e possíveis
confrontos com vidas e projetos de vidas inautênticos. Não é um é absoluto ato
de fuga, é um ato de preparação, de renovação de ênfases e compromissos da vida
pessoal. Relembrando Mounier (1974, p. 82), “a pessoa só recua, para depois
saltar melhor”.
A
importância da relação da pessoa humana consigo-mesma, é revivada pela noção de
interioridade, ou seja, uma auto-relação, da mesma forma, sua autenticidade
encontra-se na forma substancial de relação e de distinção, e permite a unidade
e a continuidade permanente da consciência da vida pessoal, sendo uma
identificação com a consciência que permite a extensão do conhecimento de si
mesmo e do universal.
3. 1. 2 Obstáculos à comunicação
Ser pessoa se constitui, entre outras e
amplas caracterizações, como um ser chamado para comunicar-se, para fazer próximos ao redor de si.
Ser pessoa é ser compromissado com pessoas. Nesse sentido, “Quase se poderia
dizer que só existo na medida em que eu existo para os outros, ou numa frase -
limite: ser é amar” (MOUNIER,
1974. p. 64). Porém,
essa vocação comum não se constitui como tarefa fácil.
O
mundo dos outros não é um jardim de delícias. É permanentemente provocação à
luta, à adaptação, incita-nos a ir mais além. Constantemente reintroduz o risco
e o sofrimento, exatamente quando nos parecia conduzir a paz. Por isso o
instinto de autodefesa reage recusando-o (MOUNIER, 1974, p. 60).
Participar do mundo do outro é estar
disposto a constantemente correr o risco de sua recusa, rejeição agressiva de
vidas que não permitem que a comunicação seja uma prática comum. Além da recusa
do outro, incitado pelo seu instinto de autodefesa, somos também tentados a
ceder ao grito de nosso instinto, que nos induz a buscar proteção na zona de
conforto do individualismo.
Esse individualismo que se oferece como
uma proteção, como um apego ao privado, impedindo, naquele que o assume,
enxergar na pessoa do outro sua dignidade ontológica -, é assumido por boa
parte de nossa sociedade, dificultando a possibilidade da comunicação pessoal,
certamente, por estar comprometido com os confortos da autoproteção, sempre
visando “centrar o indivíduo sobre si mesmo” (MOUNIER, 1974, p. 62).
Como o ser humano não vive intensamente como um ser
disposto para o outro -, a prática da comunicação constantemente passa ou
esbarra em vários obstáculos. Como já foi ressaltado, o homem nutre-se de
práticas individualistas; em seu individualismo, se acautela contra a
comunicação, entre outras coisas, por faltar clareza nas intenções de quem
busca comunicar-se.
Essa indisposição
à aproximação é consequência dessa desconfiança. Além disso, somos indispostos à
abertura, porque, em nossa opacidade, não nutrimos gosto pela transparência.
Apegados a aproximações apenas onde se percebe reciprocidades, tendemos a cada
vez mais alimentar “[...] um novo egocentrismo e levantar novas barreiras entre
o homem e o homem” (MOUNIER, 1974, p. 70).
3. 1. 3 Afrontamento
Se há obstáculo à comunicação uma importante atitude deve
ser assumida. Se a sociedade cria obstáculos à vivência singular da pessoa,
faz-se necessário afrontá-la. Essa necessidade se faz evidente, pois viver de
forma autêntica implica em reagir, em afrontar, sabendo que a aceitação passiva
ao que já está dado leva ao esmagamento da pessoa. "Existir é dizer
sim", entende Mounier (2010, p. 66, 67), "é aceitar, aderir. Mas se eu
aceitar sempre, se não recusar e nunca me recusar, atolo-me. Existir
pessoalmente é também, muitas vezes, saber dizer não, protestar, separar-se".
O próprio conceito de pessoa, ou seja, aquela que
"expõe-se, exprime-se: apresenta a cara, é rosto" (MOUNIER, 2010 p.
65), leva-nos ao entendimento de pessoa como um ser de ação e reação, um ser
que acolhe, mas que também, afronta. Acentuando ainda mais a noção de pessoa,
Mounier (2010,
p. 65) continua: "o termo grego mais próximo da nossa noção de
pessoa é prósopon: aquela que lança o olhar em frente, que defronta. Mas depara
com um mundo hostil: a atitude de oposição e de proteção está inscrita na sua
própria condição".
Portanto, ser pessoa está implicado na ruptura com o
universo impessoal. O ato de protestar é intrínseco à pessoa humana. Não
nascemos em um ambiente acolhedor, que, de pronto, reconhece nossa forma de ser,
pelo contrário, a hostilidade do mundo é a hostilidade contra a pessoa, que
tenta nos amoldar às inadequações da violência, da submissão ou mesmo de um egoísmo, que longe de ser
pessoal, faz-se, apenas, individualista, fechando o indivíduo em si mesmo. Essas vivências inadequadas são obstáculos à
pessoalidade, pois, assumindo-as, ou por medo, recuando, fazemo-nos coniventes.
Afrontar é o ato humano de reação contra o esmagamento da
pessoa. O defrontamento aos meios e vivências inadequadas é uma das formas mais
significativas de reafirmação da pessoa e da luta pela transformação da sociedade
em uma sociedade mais personalista e como tal, menos individualista e menos
coletivista.
3. 1. 4 Abertura e comunicação
Se há obstáculos à comunicação, há
também a intensa necessidade de a pessoa afrontar esses obstáculos para que sua
vivência possa ser percebida e inspire outras pessoas a assumir uma vida
autêntica. O afrontamento a esses obstáculos parte da assunção e luta de cada
homem à vivência de sua vocação
pessoal.
O homem que se recolhe, recolhe-se, com
rigor, para nutrir-se a tal ponto de alcançar forças para estabelecer
comunicação em um mundo que nega a abertura verdadeira, que se inicia com a
compreensão da pessoal vocação, e, consequentemente, da existência de peculiares
apelos e necessidades, juntamente com a percepção da presença do outro, com
suas peculiaridades e seus distintos apelos. Comunicando-se,
entre outras coisas, a pessoa comunica seu repúdio a ideologias impessoais.
Toda ideologia que constrange a vivência
pessoal, só pode ser combatida através da comunicação, do diálogo que
estabelece o confronto dos seres que se assumem como pessoas, contra aqueles que
não valorizam sua pessoalidade, por se encontrarem seduzidos pelo discurso
individualista do homem privado, do homem protegido em seus direitos, ou do
homem-sujeito, que encontrou nas regras heterônomas as possibilidades de
construir uma vida que não lhe exige o esforço pessoal e a postura autêntica de
assumir condutas que lhe são necessárias.
Somente através desse diálogo, a pessoa
assumida constrangerá o outro a pautar sua vida não no distanciamento, e nem na
sujeição impessoal, mas, pelo contrário, na aproximação com outros, aproximação
que o possibilita perceber o que é necessário para si e para a comunidade em
que está inserido.
A filosofia personalista entende que a
“[...] comunicação entre pessoas é sua experiência fundamental” (SEVERINO 1974,
p. 81). Em relação ao individualismo que centra o indivíduo sobre si mesmo, já
apontava Mounier para o fato de que “a primeira preocupação do personalismo é
descentrá-lo para colocar nas largas perspectivas abertas pela pessoa”
(MOUNIER, 1974, p. 62 - 63). Direcionado pelo entendimento de que a comunicação
é um fato primitivo, Mounier (1974,
p. 63) destaca que:
O primeiro movimento, que, na primeira
infância, revela o ser humano é um movimento para outrem; a criança de seis a
doze meses, saindo da vida vegetativa, descobre-se nos outros, aprende nas
atitudes que a visão do outro lhe ensina.
Como ressalta Mounier, entre outras
práticas, a pessoa se faz ser também na atitude de expor-se. Não se podem negar
as informações do fato primitivo. De nossa infância, até a maturidade,
desenvolvemo-nos a partir da presença do outro, do olhar do outro. Esse fato
nos orienta, ou pelo menos, nos deveria orientar a valorizar essa a abertura e
o diálogo com o outro.
Não me fiz só, não me construí
isoladamente; esse indicativo, de pronto, deveria se constituir como prova de
que, parte da saúde de minha existência é garantida na comunicação. Em suma,
ressaltar a importância da abertura e da comunicação, é ressaltar que a
constituição do ser humano se dá adequadamente na relação com outros seres. Não
nos salvamos de maneira isolada, nem social, nem espiritualmente (MOUNIER,
1974). Todos os aspectos do ser humano são nutridos com a presença do outro,
pois é nessa relação de aproximação e de comunicação que nossa presença assume
importância e sentido.
CAPÍTULO 4 CRISE
DA CIVILIZAÇÃO
Para compreender ênfase personalista na
valorização da pessoa humana, faz-se necessário, entre outras questões,
compreender o contexto histórico que marcou os filósofos que fizeram parte do
movimento denominado personalismo. A exposição do contexto histórico ajuda-nos
a compreender as motivações e os apelos marcados em determinada época. Portanto,
expondo o período histórico que marcou o florescimento da Filosofia
Personalista, período em que se estabeleceu o que os personalistas chamaram de
"crise da civilização", seremos levados a perceber, com maior clareza,
o impulso vital que traçou o caminho intelectual do projeto direcionado por
Mounier e outros importantes pensadores de sua época.
A filosofia personalista animada por
Mounier e pelos filósofos que integraram o círculo da revista Esprit, não surgiu por mera vaidade, ou
como mais uma simples atividade intelectual. Não surgiu como uma simples
prática acadêmica. O personalismo se desenvolveu como uma chamada de atenção
para uma crise que se alastrava na Europa e por boa parte da civilização
Ocidental. Essa crise civilizatória foi à causa motivadora que fez Mounier e
seus companheiros de ideias, buscarem, através da reflexão filosófica e do
engajamento, uma saída para rechaçar a crise dominante.
A Europa que outrora viveu uma grande guerra
(I Guerra Mundial -1914-1918)
era novamente marcada pela ascensão de forças estranhas que se convergiram para
uma nova guerra (II Guerra
Mundial 1939 a 1945). Esse
acontecimento tornava patente que na atual civilização, a sociedade
humana estava sendo esmagada. Estava evidenciado que outros motivos que não
diziam respeito à necessidade da comunidade de pessoas dominavam as instâncias
do poder e demais instituições que deveriam se estabelecer como instituições
sociais.
Regimes totalitaristas como o Nazismo,
Fascismo, Franquismo, Salazarismo, Stalinismo – transformaram a Europa em um
continente aflitivo, marcado pela repressão e pelo absolutismo, e por
consequência, pela sujeição da sociedade aos sistemas que lhe oprimia. Essa
ambiência aflitiva e angustiante patenteava o que Mounier passou a nomear de
crise da civilização. Essa sociedade em crise não contava com nenhuma força que
lhe fosse favorável. Das forças já citadas, nenhuma delas era capaz de apontar
para a possibilidade do estabelecimento de uma sociedade livre e criadora.
A crise então era absoluta, e,
absolutizava interesses egoístas. Na ânsia de estabelecer esses interesses
milhares de vidas foram sacrificadas, vozes foram silenciadas. Porém, o
silencio não fora absoluto. Igualmente a Mounier, várias vozes denunciaram essa
crise civilizatória, ao mesmo tempo em que apontavam para a necessidade de
mudanças em favor da construção de uma sociedade pautada pela vivência democrática.
Especificamente em Mounier e demais personalistas, anexado a denúncia contra a
substancial crise da civilização, outro apontamento foi destacado, a saber:
essa crise implicava em uma crise da pessoa.
A responsabilidade viva de reconstituir uma
filosofia livre de imposições teóricas e com ênfase na pessoa humana e em sua
defesa é uma abordagem crítica e inquietante de Emmanuel Mounier que consolidou
uma exigência de época, fundamentando primordialmente na pessoa as inquietações
diante das revoluções e das crises presentes, assim, sincronizavam-se no modelo
civilizatório duas questões que se difundiam: o comunismo e o fascismo,
acentuando novas possibilidades de interpretações que até então eram discutidas
teoricamente, o personalismo vêm contrapor as concepções dominantes para
posicionar seu pensamento em um âmbito estritamente filosófico.
O personalismo esteve frente a todas estas
discussões de relevância fundamental no universo pessoal, onde, a pessoa
constitui-se na ação e não distante das duas grandes ideologias que envolviam o
século XX, o motivo das críticas e de rejeições manifestadas até então em
regimes fechados para ideologias uniformes de ação política. Mounier difundiu
ideias, pensamentos e inquietações em defesa da pessoa e do universo pessoal,
onde, a pauta é a pessoa humana na sua integralidade.
Os valores personalistas partem por uma ação
concreta e uma analise concreta, a relação dos meios para os fins não é
imediata e evidente, como em relações impessoais. Encontramos na pessoa a
transcendência de valores por relações complexas, os temas que provocaram o
personalismo seguiram uma dada situação histórica e através de um pensamento
combativo. A pessoa é combatente da imposição e também objetivada pelo avanço
técnico do pensamento filosófico, nutrindo-se de perspectivas individuais de
pensamento, sendo que, sua posição faz crítica aos dois modelos distintos de
pensamento até então eram vigentes, para o personalismo nenhum dos modelos
satisfazia a revolução tão necessária dos tempos de crise, e já denunciava tais
concepções por modelos impessoais de pensamento.
As revoluções em curso diante a crise de 1929,
fizeram surgir dois modelos de interpretação da realidade, as teorias puramente
técnicas e as teorias puramente morais, as discussões personalistas já
apontavam sinais de aplainar os dois caminhos.
Se todo
século tem sua data de nascimento, que não coincide fatalmente com a
cronologia, é preciso dizer que o nosso nasceu em 1917. Mounier rejeita
integralmente o comunismo e o fascismo, mas sem colocá-los, no entanto, no
mesmo plano: o universalismo marxista, apesar de seus estratagemas e suas
mentiras, tem, ao menos originalmente, um outro valor que o particularismo e o
racismo fascistas. Não é menos verdade, no entanto, que ambos denunciam o
liberalismo e o individualismo, que os dois percebem que a humanidade faz um
esforço necessário de socialização (LACROIX, 1969, p.24).
Na crise de 1929 com a quebra da bolsa de
valores e nos ecos de sua passagem viu-se o reconhecimento do niilismo Europeu
fortemente marcado pela crise econômica de estruturas e pela crise espiritual
do homem, em que, exemplos legítimos da pessoa humana marcavam a postura do
interesse humano e de sua identidade, enraizado no percurso histórico, nos
filósofos destaca-se a efervescência de novos problemas; no exemplo de Marx que
revela a luta sem tréguas de profundas forças sociais a burguesia e o
proletariado, a harmonia psicológica de Freud que descobria o turbilhão de
instintos, e finalmente Nietzsche anunciava o niilismo europeu antes de passar
o facho a Dostoievsky (Mounier; 2004).
A crise das estruturas filosóficas mistura-se
com a crise espiritual e este é o reconhecimento da guerra presente e o
resultado dos conflitos que paralisava até então as condições de existência e
as funções primarias da vida coletiva. O social é invadido pelas novas
descobertas científicas e é levado a manifestações políticas para o domínio das
questões espirituais do universo pessoal.
A crise total do século XX alastrava duas
grandes guerras e uma economia enfraquecida, isto, mostra os grandes desafios
de superação por Mounier, motivada para o objetivo de mudança e transformação opondo-se
ao conformismo vigente e não restringindo o universo pessoal ao
conservadorismo, mas, dando sentido para o desafio às regras, aos costumes e
aos obstáculos, produzidos nos tempos de guerra, um o olhar para gerações que
em liberdade restrita consumia-se pela crise dos conflitos presentes. No
personalismo buscou-se uma parte pessoal da realidade em decepções acumuladas
que caracteriza o crime coletivo.
O personalismo em Mounier constituiu as
possibilidades de paz diante da revolução, e promoveu a pessoa humana,
afirmando a sua independência nos valores espirituais, apropriando-se das
condições de ação. A comunicação era precisa em um contexto que a desordem
vigente encontrava condições desumanas, o personalismo reorientou a organização
e os problemas humanos a necessidade de novos valores.
“Reunindo,
sob a idéia de personalismo, aspirações convergentes que buscam hoje seu
caminho para além do fascismo, do comunismo e do mundo burguês decadente, nós
não ocultamos o uso ocioso ou brilhante que muitos farão deste rótulo para
disfarçar o vazio ou a insegurança de seu pensamento. Nós prevemos as ambiguidades,
o conformismo, que não deixarão de existir ás custas da fórmula personalista. .
. Personalista não é para nós mais que uma senha significativa, uma designação
coletiva cômoda para diversas doutrinas mas que, nas condições históricas em
que nos encontramos, podem adaptar-se a condições elementares, físicas e
metafísicas de uma nova civilização. . . É pois no plural – os personalismos –
que devemos falar. Nossa finalidade imediata é definir, face ás concepções
globais e parcialmente desumanas da civilização, o conjunto de consentimentos
prévios que podem alicerçar uma civilização devotada á pessoa humana” (CHAIGNE,
1969, p.58, grifo do autor).
O sentido da revolução sugere à pessoa a
formação do homem condizente as grandes transformações, considerando, o sentido
do que até silenciava e restringia-se às ideologias de conformismo, a pessoa
humana provinha das exigências individuais e das exigências coletivas do
universo pessoal conflitante com a desordem estabelecida. Mounier distancia-se
propondo uma responsabilidade transformadora e efetiva, preparando a conquista
personalista e intensificando o dialogo sem fronteiras que é formador e fruto
civilizatório. Segundo Mounier, “deve-se no entanto precisar a natureza e os
processos da crise de civilização da qual nasceu o personalismo, assim como as
causas e o projeto positivo que ele lhe opôs” (CHAIGNE,1969).
“O
movimento personalista nasceu da crise que surgiu em 1929 com o craque de Wall Street, e que continuou,
sob nossos olhos, além do paroxismo da segunda guerra mundial”. Ele se exprimiu
pela creação da revista Esprit, em
1932... De que necessidade interior terá brotado nossa afirmação? Diante da
crise, da qual muitos se ocultavam a gravidade, duas explicações se
apresentavam: Os marxistas diziam: “Crise do homem, crise dos costumes; crise
de valôres. Mudem o homem e as sociedades curarão” (CHAIGNE, 1969, p.59, grifo
do autor).
A dimensão do universo pessoal até então
ameaçada pelos costumes e pela uniformização imanente à maneira técnica, produz
um homem que pela técnica modifica o meio e modifica a si próprio, Mounier
projetará no personalismo a mudança total do homem, como, pessoa que se faz
mutuamente, tanto, domínio material, como, no domínio espiritual, pois,
entende-se que a condição verdadeira da ação constitui a construção de um novo
saber que dialoga e desenvolve em seu contexto histórico de comunicação, e,
esta inquietude traz os fatos da experiência vivida, assim, Mounier, indicando
a revolução, como, parte essencial de um fundamento filosófico distancia-se das
teorias e projeta uma filosofia de alcance a todas as possibilidades de
afrontamento do poder estabelecido, promovendo um universo pessoal.
“Não nos
satisfaziam, nem a uns nem a outros”. Espiritualistas e materialistas nos
pareciam incorrer no mesmo erro moderno que, após um cartesianismo duvidoso,
separa arbitrariamente corpo e alma, pensamento e ação, homo faber e homo sapiens. Afirmávamos; a crise de estruturas e crise do homem.
Não retomávamos apenas a palavra de Péguy “A revolução será moral ou não se
fará”. Nós precisávamos: “A Revolução moral será econômica ou não se fará.” “A
revolução econômica será “moral” ou nada será” (CHAIGNE, 1969, p.59, grifo do
autor).
Foi na juventude do ano de 1929 que cresceu
entre as limitações e os obstáculos que a crise provocava até então, o
florescimento da filosofia do personalismo. Nasceu no período entre guerras e
do desejo de questionamento e de formar discussões relevantes às questões que
se apresentavam, os personalistas almejavam a abertura de novos caminhos históricos.
A
condição humana volta-se para história para transformá-la e progressivamente
lhe impor a soberania, afirmar a situação de um universo pessoal frente à crise
que cada vez mais exigia da ciência e a reflexão já esgotadas, é nutriu-se do
engajamento e da ação de uma juventude que verificou um mundo que não pode
passar sem o homem e um homem que não pode passar sem o mundo, pois, é
fundamental aplainar os caminhos.
O moralismo e espiritualismo que até então
degradava a história humana é uma crise do homem clássico europeu, surgido com
o mundo burguês, a crise das estruturas se confunde à crise espiritual, ou
seja, a justificação das infraestruturas leva o homem a criar instrumentos para
transformar e explicar. O personalismo vem diferenciar a produção e as
exigências da pessoa, pois, produzir é uma atividade essencial da pessoa.
Em meio
a uma economia enlouquecida, a ciência segue seu curso impassível, redistribui
as riquezas e revoluciona as forças. Em parte o personalismo encontrará a
questão da liberdade, no consenso das relações humanas e definirá que a pessoa
só se liberta, quando, liberta-se das imposições, pois, tal atividade moral é
modelada às exigências da pessoa para defesa plena de sua formação, como, um
ser de necessidades integrais.
As classes sociais se desagregam, as classes
dirigentes soçobram na incompetência e na indecisão. “O Estado se procura neste
tumulto” (CHAIGNE, 1969, p.59-60, grifo do autor).
“Esta
reflexão nasceu da crise de 1929, que marcou o fim da felicidade europeia e chamou
a atenção para as revoluções em curso. As inquietações e as adversidades que
então começavam explicações puramente técnicas, outros puramente morais. Alguns
jovens pensaram que o mal era ao mesmo tempo econômico e moral, das estruturas
e dos corações; que o remédio não podia, pois, ignorar nem a revolução
econômica, nem a revolução espiritual. E que sendo o homem feito como é,
deveriam ser encontrados os estreitos vínculos entre uma e outra. Era
necessário em primeiro lugar, analisar as duas crises a fim de aplainar os dois
caminhos” (CHAIGNE, 1969, p.59, grifo do autor).
4.1
Crise da pessoa
Emmanuel Mounier detém a importância
fundamental da pessoa e do seu modo mais efetivo a ação comunitária. Ao
consolidar o fundamento que originou o personalismo, o autor propôs que a
natureza da pessoa transcende os motivos da razão, pois, a razão por si só
designa a postura feita da experiência que deve ser vivida, nada ocorre antes
disto, e para definir as questões de uma crise pessoal, e consequentemente
civilizatória, as circunstâncias precisam de maiores esclarecimentos sobre a
noção de humanidade.
A noção de humanidade é captada no vivido
exercício de incorporar uma existência global, as concepções mecanicistas
modernas do homem mostram que a pessoa encontra-se em condições perfeitamente
mecânicas, por outro lado, a iniciativa personalista encontra o homem, como,
ser natural, mas, um ser natural humano que absorve para transformar, o homem
está no aprofundamento pessoal que precisa incontestavelmente de conceitos,
esquemas e estruturas.
Os aspectos da análise mourieriana definiram a
coisificação do universo individual (individualismo) pelas teorias ideológicas
e fez-se o discurso personalista para encontrar o aspecto da singularidade que
é uno e indivisível. No entanto, segundo Mounier introduziu-se nas perspectivas
singulares um movimento para exterioridade, que é um outro tema com
significativo cuidado por parte dos personalistas, pois, para os autores personalistas,
a exterioridade tornou-se exibições, então consolidou-se. As pessoas tornaram-se
completamente viradas para fora, para exibição, que não tem segredos, não tem
densidade nem nada por de traz delas. Leêm-se como um livro aberto e depressa
se esgotam (Mounier; 2004). A exterioridade é um movimento pensado de ação
comunitária, ele não é uma livre exposição de ideias.
O
contrassenso, na filosofia de Emmanuel Mounier, indica uma obra e um pensamento
que se realizou na ação, assim, interposto entre a filosofia e o pensamento
filosófico chamado personalismo, mas, não se pode considerar este movimento um
sistema filosófico comum aos outros sistemas, pois, trata-se de conversões
intimas do universo pessoal.
Pode-se
conhecer a objetividade do personalismo ao fato concreto, a exigência de uma
revolução que compõe uma conversão intima e uma exterioridade comunitária. Assim,
por sua vez a crise da pessoa presente e diante dos fatos que à torna impessoal
a uma legitima comunicação. No caminho percorrido pelo autor a pessoa
fundamenta oposições às ordens e as desordens de sua constituição fundamental e
afronta a exposição de uma personalidade vincada: transcendência e
interioridade. Ao expor sua intimidade a pessoa organiza-se de maneira á
transcender e realiza uma leitura da realidade em busca preservação de sua
interioridade e identifica os motivos que levam a busca de ruptura da imposição
estabelecida.
O
materialismo esquece as dimensões de interioridade e transcendência. O
espiritualismo, em suas “tagarelices sobre o espírito”, desconhece a realidade
da condição humana, a necessidade, para a revolução espiritual, de uma prévia
revolução econômica. Não se fala tanto da revolução moral senão para evitar
outra. A revolução será total ou não será. Ou ela será porque já é. Na verdade,
para Mounier, não somente a crise existe, como os remédios se apresentam: o
comunismo e o fascismo (LACROIX, 1969, p.24)
O objetivo do personalismo é dedicar à pessoa
uma finalidade, ou seja, a formação do homem como um ser integral, e é de total
interesse que diante das oscilações dadas pelas diversidades das situações que
circunde o pensamento humano e seu espiritualismo, a resistência filosófica. É
um marco que possibilita a defesa em força de resistência e de ataque. Sobre
este aspecto destaca Mounier: A linguagem personalista não desperta ímpetos
criadores, mas reflexos de superação e de defesa (MOUNIER; 2004).
Mounier
quer enfatizar na pessoa duas funções que oscilam: o ataque e a defesa desta
condição de valorização. Ocorrem sobre o homem funções personalizantes e
despersonalizantes e longe deste discurso o homem se torna abstrato e
moralizante.
O conflito gerado é a interioridade à primeira
vista e reflete um movimento de fuga, mas trata-se de um movimento de recuo
para um melhor salto, pois, a conquista ativa rompe quando intervém uma
perversão, a própria vulgaridade é predominante da escala humana, demonstra a
vida pessoal com a capacidade de romper com o meio, o importante não é a fuga
mais sim a conversão de forças.
Segundo Lacroix (1969) “A pessoa humana
encontra-se perpetuamente tensa nos dois movimentos de sua personalidade, a
interioridade em que ele se retoma e a exterioridade em que ela se dá, ela é um
centrifugo continuo na conversão pessoal projetando-se como ser comunitário”.
Mounier viveu sua própria conversão e
identificou o que a crise pessoal lhe proporcionou na experiência fundamental
dos valores de silêncio e retiro, nesta constante, sua própria experiência
formou o que chamou de crise da pessoa. Os pensamentos de inspiração
personalista são manifestações a respeito da pessoa e enfatizam a distancia, da
qual, o respeito que a pessoa tem pelo seu interior ou pelo dos outros tem a
densidade de reserva na expressão e na discrição, segundo Mounier (2004),
“nunca se pode comunicar completamente através da comunicação direta e prefere,
por vezes, meios indiretos: ironia, humor, paradoxo, mito, símbolo, fábula
etc”.
A crise da pessoa bipartiu-a em dois ramos no
âmbito da conversão, em que o próprio homem centrifuga em dois movimentos
distintos. Assim, a chamada bifurcação reflete o salto que resulta da
interioridade para exterioridade. O resultado que se propõem a filosofia
personalista, é um longo processo de manifestações pessoais e íntimas, tidas
dos pensadores que representam no personalismo a defesa da pessoa humana.
Diante das crises que à torna impessoal. A resposta disto é uma doutrina ética
política, que enfatiza o valor absoluto da pessoa e seus laços de solidariedade
com outras pessoas, em oposição ao coletivismo e ao individualismo. Segundo
Emmanuel Mounier estes fatos da crise pessoal, fortalecem no recuo de uma
conversão intima os laços solidários e comunitários, para encontrar no outro
uma forma de resistência e defesa.
Aos 18
anos, preparando o P.C.N. Mounier sente um tal desespero que chega a pensar em
suicídio. No meio do ano ele deixa de se alimentar. Faz então o primeiro retiro
fechado de sua vida a aí percebe “em letras de fogo a necessidade de bifurcar”.
No ano seguinte, escreverá à sua irmã: “Quando temos conversões alguma coisa em
nós, temos, todos, uma ou muitas conversões a fazer. Tive a minha conversão no
ano passado, tu tens este ano todo a tua”. E dois anos mais tarde escreverá
ainda: “Nós passamos todos por tais crises. Eu atravessei uma semelhante, no
ano do P.C.N., quando me sentia compelido sob todos os pontos de vista como um
negro buraco, e conheci o desespero. Ainda em janeiro, eu jamais esperaria a
solução que apareceu em março e ela veio enquanto era tempo. Cada vez que passo
uma crise assim, encontro sempre a solução no método de me dar, constantemente,
a todos e a tudo” (LACROIX, 1969, p.27).
4.1.1 A Desordem estabelecida e a ordem imposta
A pessoa de Emanuel Mounier, cuja
própria presença fez-se em contato de real afrontamento às imposições presentes
de um período entre guerras, mostrou uma filosofia chamada personalista e não
deixou despercebidos os acontecimentos que se estabeleciam na modernidade e na
contemporaneidade, pois mobilizou toda uma geração à ação, ao combate e à
defesa da pessoa humana. Uma inquietação que não se deixava calar pela
imposição, e que, apresenta uma postura frente à frente à crise do seu tempo. A
questão que se levanta é - haverá uma realidade para além das imposições
estabelecidas e que defenda o universo pessoal ?
A resposta está ao indicar um melhor
caminho para pessoa e sua eminente dignidade, ela está no discurso que se
reflete em Mounier (2004), pois, em seu discurso ele reflete sobre as últimas
consequências do personalismo; a permanente projeção de nós próprios, seres de
conversões e afrontamento em face do outro. O outro é um ser cuja restrita
individualidade se propaga em teorias ideológicas, para um ser sem finalidade,
em um universo sem significação. A pessoa é identificada como um objeto, a ela
é recusada a orientação, assim, a filosofia personalista resgata a unidade da
pessoa diante da ordem imposta, entendendo que este universo pessoal é uma
verdadeira transcendência.
Ante uma desordem estabelecida e uma ordem
imposta, o passar da pessoa por si própria se torna elevação, ou seja, o ser
pessoal é um ser feito para ultrapassar.
Segundo Domenach (1969), o pensamento de
Mounier se desenvolveu dentro de um contexto histórico agitado, por isto o
resgate da transcendência pessoal por motivos válidos à filosofia que se
posiciona contra a imposição, o personalismo representou um combate incessante
e no seu enunciado continuamente histórico, funda uma postura “corpo a corpo”
com os homens, com os acontecimentos. Assim o personalismo não pode ser
retirado do ambiente de seu tempo, senão perde grande parte da sua força de
choque.
O pensamento moureniano em um sentido
maior é da ação; é a contribuição da esclarecedora revista Esprit, proporcionada
por uma equipe de pensadores engajados em diversas situações, que implica o
compromisso e a fidelidade. A luta era contra a desordem estabelecida,
afirmando uma contestação que finda nos problemas de uma de uma geração
“entre-guerras” consolidada desde modernidade aos dias atuais, pois, os
problemas personalistas fundam a transcendência personalista, refletindo a
força com que o engajamento, em sua abordagem filosófica desmistificou. Com
isso trata de temas de abrangência que ultrapassam as barreiras do tempo, o
pensamento formado é um pensamento de ruptura que pertence ao universo da
liberdade, a pessoa humana responde como efetiva superação e transcendência que
não é objeto de provas.
Esta força do personalismo se apresenta em
relevância fundamental na eminência histórica pois, segundo Mounier (2004),
aqueles que mais tempo pertencem à existência histórica formam a continuidade
histórica e nascem para a consciência da humanidade no decurso de seu
desenvolvimento, promovendo o olhar ético e moral, exatamente como se cada
época da humanidade tivesse por vocação descobrir para outro novo setor de
valores.
Segundo Domenach (1969), os valores
estabelecidos pela critica personalista atravessam o percurso históricos dos
conflitos da I Guerra e da II Guerra, e suscitam a resistência para animar
amizades, procurando estabelecer na defesa da pessoa uma sociedade dentro da
sociedade.
Mounier funda um pensamento reflexivo e
ponderador sem pretensões maiores, mas, que contesta a transformação inevitável
dos espíritos e dos relacionamentos, ou seja, uma filosofia de serviço e não de
dominação. Acredita que da inquietação dos problemas gerados surge à
responsabilidade que ocorre pouco a pouco. E nestas linhas gerais faz-se
importante as palavras de Domenach (1969, p. 12) “O que se deve considerar, já
que nada reinvidicamos, já que nossa única ambição é que haja o maior número
possível de homens e de instituições para educar, para formar para fazer
viver”.
Dentre as colocações feitas pelo
personalismo dos problemas e abordagens que determinam prioridades da filosofia
e de suas questões está reinterpretar o desenvolvimento da humanidade,
reorientando para as perspectivas dos valores éticos e moral da pessoa. Assim,
postula-se a raiz do pensamento personalista:
1ª. Promoção da pessoa total (isto é, a
integralidade da pessoa), sendo o universo pessoal o universo do homem.
2ª. Afrontamento e diálogo com o
comunismo (para compor discussões ao socialismo “aberto”, quando Mounier
combate o capitalismo e o mundo “coisificado” do burguês).
3ª. Revela a comunicação ao descentrar o
individuo e colocá-lo na formação da pessoa em perspectivas abertas.
4ª. A existência Incorporada, em que o
homem é corpo exatamente como é espírito, é integralmente “corpo” e é
integralmente “espírito”.
5ª. A conversão intima que a própria
estrutura pessoal à reflexão sobre mim e as minhas imagens lançando à intenção
e projeto de nós próprios.
6ª. Liberdade em condições do qual a
experiência da liberdade dá condições da afirmação de qualidade sempre
renovada, pois, a liberdade não é uma coisa.
7ª. A eminente dignidade em que a
transcendência da pessoa manifesta-se a partir da produtividade.
8ª. O compromisso em que a ação e a
existência perfeita que modifica a realidade exterior, a (poiein) dominam e
organiza a matéria exterior, a (prassein) construção de uma obra exterior,a
(teorein) atividade que explora os valores e enriquece a medida, que se estende
seu reino sobre a humanidade e a dimensão coletiva da ação.
As questões que com o aspecto de
denuncia evidente, o combate com a ordem imposta em que as relações da força e
do engajamento transformam o conflito da pessoa (universo pessoal) e da massa
(civilização de massa) são denuncias que emergem para a postura simples da vida
comunitária, a luta em favor dos oprimidos e a encarnação real do cristianismo.
Segundo Domenach (1969, p. 12) sobre a validade desta proposta introduz os
fundamentos do personalismo.
Para mim os pontos fundamentais dos
personalismos de Mounier permanecem validos, e em particular a magistral
afirmação que abre as portas à única revolução verdadeira: é querendo o homem,
que se quer todos os homens.
A posição de Domenach (1969) aponta que
Mounier movia-se em esferas do pensamento e da ação humana, seu projeto cria
distâncias da forma teórica e coloca em pratica a realidade exterior da
construção e expansão comunitária, nisto visava os sinais inquietantes que
tratava com liberdade e soberania.
Mounier em tarefa da revista Esprit, descobriu
o fenômeno do pensamento e da filosofia personalista, função em que a filosofia
designava na sua fidelidade à pessoa humana exigência influente da filosofia
que caminha para fins humanos e que faz construir o sentido marcante da ação. A
prática da doutrina exigia a constante comunicação com os fatos aperfeiçoando
de forma inerente a critica que envolvia o afrontamento, para projetar no
humano o real engajamento, contudo, indicando uma revolução necessária na ética
e na política.
O
personalismo pode assumir mil formas. Mesmo depois de liquidadas as ideologias fracassadas
permanecem as necessidades de relacionar as obras humanas à destinação do
homem. E nisso Mounier pode nos ajudar, tendo, em vista seus múltiplos olhares
na dimensão da pessoa humana .
A
breve construção das tendências históricas e sociais para formar o
questionamento decorre dos acontecimentos a “geografia da ação” e solidariedade
vigente para tratar tais discussões validas ao propósito de transcendência, que
até então tinham sidos deixados de lado pelas ideologias impessoais, a crise do
homem europeu se concretizava no ceticismo e na eminência dos fatos. Segundo
Mounier (2004 p.109) “O ceticismo é ainda uma filosofia: a não intervenção
entre 1936 1939 engendrou a guerra de Hitler e quem “não faz a política” faz
pacificamente a política do poder estabelecido”.
Ao ímpeto dos conceitos relacionados à pessoa
humana e da efervescência ética que isto envolve, os meios utilizados por Emmanuel
Mounier foi a voraz critica de intervenção teórica e projetou um conhecimento das
circunstâncias que é afirmada na postura e no pensamento, comprometidos à ação
comunitária mais efetiva. Ao recusar
fazer a política do poder estabelecido defendeu o compromisso de emancipar em
eminente dignidade a pessoa humana, longe disto, é recusar a condição humana
para o ceticismo e para impessoalidade.
CAPÍTULO
5 ENGAJAMENTO EM PROL DA PESSOA
A pessoa é presença vivida e encarnada da qual
a própria autoconstrução do conhecimento é no personalismo uma atividade e um
plano da ação. Este ocorre devido a esta pessoa humana e às suas conquistas
interiores e externas. Os acontecimentos históricos designam ao homem uma
presença espiritual na sua integralidade.
É uma teoria da ação em que o tema central do
personalismo não deixa fugir suas expectativas da presença da pessoa na
política, na historia e na transcendência pessoal, onde a busca avança
significativamente, a responsabilidade pessoal no plano do engajamento total,
ou seja é uma revolução total e permanente.
Consequentemente, a abertura comunicativa que
promove a comunidade humana seu papel essencial de socializar a pessoa, um ser
que não é isolado, detém um imenso poder quando confia em si própria. A
fatalidade dos vastos sistemas ideológicos em crise que exigia um pouco mais da
crise vivida, exigia a coragem e a resistência frente aos diálogos de uma
geração, uma consciência que necessariamente não implica ser mais consciente do
que uma consciência severa, que distinguia os novos valores e encontrava na
emancipação da interioridade uma abertura a mudança dos paradigmas tidos na
hodiernidade como insuperáveis.
Ligando-nos
a ele, entravávamos na posse de uma herança, repentinamente nós nos colocávamos
ao lado daquele que não se enganara no diagnóstico da crise dos tempos modernos
e que nos permitia, malgrado o fracasso precoce do espírito revolucionário da
resistência, estabelecer solidas perspectivas para um mundo melhor (EQUIPE FRÈRES DU MONDE, 1969, p.17).
A defesa do homem total é respectivamente
representada nas múltiplas complexidades do real, traduz-se em uma tarefa de
responsabilidade eminente da dignidade da pessoa e na eminência histórica dos
fatos da crise civilizatória e da crise pessoal no personalismo, uma revolução
que é necessária em meio grandes derivas da civilização, e uma assunção pelo o
homem e para o homem do mais inalienável que resulta o direito da pessoa
humana.
Uma
personalização de uma organização assume o sentido humano que assegura a
cooperação das liberdades e das qualidades das pessoas humanas, controla os
delírios e as mistificações que separa e arrasta o individuo comum na confusão,
sonolência e na paixão. A ação valida parte de cada consciência particular à
expressão moral, o amadurecimento acontece através da consciência total e do
drama integral da época.
Iniciador
e pedagogo da encarnação social no âmago de nossa história, Mounier situou
também o personalismo no ponto de focalização dos valores e das opções
essenciais para defesa do homem total, mostrando-nos assim que a tarefa do
cristão não é de, alheio ao movimento do mundo, “biscatear” todo um instrumento
de conceituação original de que os homens deveriam se apropriar antes de poder trabalhar eficazmente na liberdade, os valores de origem
cristã ou não que, através da experiência mostram bons para o homem. Para esta
tarefa todas as pessoas são convocadas, sejam crentes ou descrentes (EQUIPE FRÈRES DU MONDE, 1969, p.18).
Mounier converteu a filosofia personalista da
melhor maneira possível em uma filosofia que exige a ação daqueles que a fazem,
segundo Equipe Frères Du Monde (1969,
p.20), “O personalismo pertence áqueles que o vivem, e aquêles que o vivem são
ao mesmo tempo os que o fazem”.
Refletir
sobre a profunda noção de pessoa e fazê-la presente na vocação e trajeto de
vida ao qual está direção que torna a revolução a serviço do homem e um serviço
pelo homem trazendo a noção de comunidade. Segundo Lacroix (1969 p.23)
“Emmanuel Mounier é influenciado em uma dupla reflexão uma reflexão ôntica e
uma reflexão jurídica e sobretudo teológica, do qual em grande parte herdou a
noção de pessoa humana”.
Segundo Mounier (2004 p.103), “atribuir de
alguma maneira um sentido a natureza humana e propor valores ao universo
humano, “é fazer não interessa o quê”, desde que tua ação seja uma intensa e
vigilante em relação à espessura dos que nada fazem, dos que soçobram”.
A
exigência personalista é que a ação modifique a realidade exterior, que nos
forme e nos aproxime dos homens, assim, enriqueça o universo dos valores. A
filosofia personalista quer mais do que renovar ou aprofundar a ideia de
pessoa, ela quer torna-la eficaz e presente, faz-se na vocação o engajamento da
pessoa para o comunitário, assim, sobressaindo às determinações da ordem
vigente (LACROIX, 1969).
A exigência de uma transformação e de um campo
objetivo da transcendência com relações que compõem o contexto histórico é o
compromisso que consagra a abdicação da pessoa e dos valores que serve ao
propósito da realidade da aproximação, em que sua força criadora nasce da
tensão fecunda que suscita entre a imperfeição da causa e a sua absoluta
fidelidade aos valores criados (MOUNIER 2004).
Para o personalismo o campo da ação é um risco
que assumimos na parcial obscuridade de nossas opções coloca-nos em um estado
de despojamento, de insegurança e de aventura, que é o clima propício para
grandes ações.
Para Lacroix (1969), Mounier ao assumir o
personalismo a principio foi virtual e hesitante, mas, pouco a pouco foram
descobrindo sua vocação de transformar temas mais ou menos tradicionais em
elementos de cultura e civilização, e é nos acontecimentos históricos e
cotidianos que transforma sua ideia em engajamento, é a realização do universo
pessoal .
A proposta essencial trabalhada no personalismo
caracteriza na pessoa a ideia do engajamento “uma ligação vital do pensamento e
da ação”. As questões humanas e particularmente o engajamento em prol da pessoa
são intenções perpetua em ato
.
A
verdade da intenção é o ato, dizia Hegel. Com efeito, sem o ato, a intenção não
é senão veleidade e mistificação. Mas é preciso acrescentar que,
reciprocamente, a verdade do ato é a intenção, pois sem intenção o ato não seria
mais humano, mas simples fato da natureza. Mounier foi uma intenção
perpetuamente em ato. Um livro não foi jamais para ele um fim, mas um meio ou
mais que isto, um instrumento (LACROIX, 1969, p.25).
É o sentido da pessoa que contribuiu com
aspecto profundo de Mounier e o seu processo longo de verificação,
conscientização em que a verdade foi sua própria historia. Lacroix (1969)
Mostra que nos anos de exílio na prisão de Dieuefit, Mounier estuda o caráter e
transforma em retrospecção e conscientização os anos que sucedem, descobre sua
ideia de vocação enraizada na filosofia personalista “o homem não é uma
natureza ontológica, ele é uma natureza, está ideia traz profundamente a noção
de pessoa”. A verdade a que se propôs Mounier
é a verdade de sua história, ele foi um longo processo de verificação e o
sentido do personalismo foi esclarecido por uma gênese.
Tal vocação é voltada a vocação do ensino à
vocação educadora, sendo esta vocação mais engajada na ação, nas tarefas
naturais, no quotidiano e demais ocasiões, que, se apresente a atividade
pessoal como um movimento engajado.
A
segunda conversão é a do ensino a um outro tipo de ação, a uma ação mais
engajada. Ao contrario do que muitas vezes se pensa, no principio, a noção de
engajamento em Mounier, não tinha conteúdo político. Psicologicamente, ela
nasceu da idéia de apostolado. É uma atitude, não propriamente moral mas
espiritual que se supõe uma espécie de transformação total do ser ao mesmo
tempo que uma perfeita disponibilidade ás tarefas quotidianas, quaisquer que se
apresente. Ainda aqui, o sim se manifesta a consciência sob a forma de um não:
a recusa do ensino (LACROIX, 1969, p.27-28).
CONCLUSÃO
A ideia da filosofia
personalista persiste em encontrar um lugar no humanismo ao defender sua
inspiração confrontada com o marxismo, com o existencialismo, com a
fenomenologia, o patamar que esta filosofia assume e expõe uma ideia que não
particulariza seus conceitos e coloca-se no plano de outras filosofias
vigentes.
A necessidade fundamental do personalismo está
em um sistema que se torna inteligível a si mesmo , mas, que não esgota sua
intuição fundamental, ou seja, defende o homem como um ser integral de participação
constante. Na atualidade fala-se de transpersonalismo, por ser esta uma
filosofia que caminha e desenvolve em uma concepção sempre nova de valorização
humana. Não se trata de uma concepção puramente sociológica, mas, metafísica do
ser social que se opõem ao individualismo, ou seja, quer compor o homem como um
ser familiar e desenvolver-se diante da transcendência filosófica os conceitos
que se tornam rígidos diante da teoria.
É a filosofia do possível, o personalismo leva
em conta a ordem total da realidade, isto quer dizer, que dentre todos os
acontecimentos da modernidade exigi-se a analise reflexiva e uma tarefa que
especifique a leitura filosófica tradicional em dialogo com o seu tempo.
Na atualidade o personalismo exige uma
temperança filosófica e/ou uma maior agudeza do espírito e do pensamento, pois,
muitos fatos da desvalorização da pessoa, ainda, são repercutidos na
objetivação do homem no plano do individualismo e do ceticismo.
Emmanuel Mounier foi um Homem que sempre
combateu frente a este individualismo histórico e recompôs sua filosofia na
conscientização combatendo a alienação ética política de uma crise da
civilização consolidada na modernidade, a conscientização é formada pela
emancipação da pessoa humana e sua eminente dignidade. Firmou-se em Emmanuel
Mounier o pensamento a critica comunista do poderes estabelecidos pela força do
capital que individualiza o ser pessoal, no marxismo elencou o protagonismo da
critica socialista, mas, rejeitando o materialismo histórico criado por Marx,
definindo a ação comunitária como condição essencial da pessoa humana. A
revolução pretendida pelo personalismo é a revolução integral do homem, isto é,
a transformação, tanto, espiritual quanto econômica.
Para a filosofia do personalismo a
contraposição da alienação humana está fundamentada na condição da própria
existência da pessoa humana, este ser existencial do personalismo afronta as
diretrizes do materialismo histórico, e propõe uma dialética voltada
estritamente para historia, compondo o modo efetivo da pessoa humana, um ser
integral.
REFERÊNCIAS
DOMENACH,
J. M. et al. Presença de Mounier. Tradução
Maria Lúcia Moreira. 1. Ed. São Paulo: Duas Cidades, 1969.
LACROIX,
J. Marxismo Existencialismo Personalismo.Tradução
Maria Helena Kuhner. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
LORENZ.
F. A noção de pessoa em Emmanuel Mounier.
2008. 53 f. Trabalho de Curso (Graduação) – Curso de Filosofia, Universidade
Católica Dom Bosco. Campo Grande. 2008.
MOIX, C.
O pensamento de Emmanuel Mounier. 1.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
MOUNIER,
E. O personalismo. Tradução Vinícios
Eduardo Alves. 1.ed. São Paulo: Centauro, 2004.
MOUNIER,
E. Tratado Del caracter. 1. ed.
Versión castellana. Buenos Aires: ediciones Antonio zanora, 1955.
NICOLA,
A. Dicionário de Filosofia. Tradução
Alfredo Bosi. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
SEVERINO,
A. J. A antropologia personalista de
Emmanuel Mounier. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.