Emmanuel Mounier (1905-1950) e sua filha Anne

Espaço para difusão da filosofia personalista de Emmanuel Mounier e para ponderações de vários temas importantes, tendo como referência essa perspectiva filosófica.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Desordem Estabelecida e a Ordem Imposta.

DESORDEM ESTABELECIDA E A ORDEM IMPOSTA

O filósofo francês Emmanuel Mounier se apropriou de um termo,  posteriormente muito usado, que define as diversas desordenações promovidas por instituições que arregimentam, ou que fazem parte da sociedade humana. O referido termo empregado pelo filósofo é “desordem estabelecida”. Lutar contra a Desordem Estabelecida foi a grande meta de Mounier, como o é daqueles que foram inspirados pela filosofia que o francês de Grenoble ajudou a desenvolver na França, sendo seu principal idealizador: a Filosofia Personalista.

Se observássemos ponderativamente o sistema político e econômico que nos orienta, investigando o alcance de sua orientação, se o tal sistema leva a sociedade e cada ser humano a vivência de uma ambiência ordeira ou desordenada, a que conclusão será que chegaríamos? Nossa sociedade é uma sociedade em desordem, ou nela reina a mais absoluta ordem? Ou vive harmoniosamente entre a ordem e a desordem?

Questões desse gênero não devem ser concluídas, sem que antes se faça uma análise exaustiva e aprofundada. Essa análise, apesar de exigir um pouco de esforço, não é tarefa das mais complicadas. Basta olhar em torno de nós - cada família que se nos avizinha, instituições que conduzem nossa ambiência, ideias que influenciam nossa sociedade, e a própria sociedade – que chegaremos a uma conclusão bem fundamentada. Basta investigar se em nossa sociedade, com cada instrumento que a rege, cada órgão que a compõe, cada elemento que exerce sobre ela um papel determinante, é predominante a manifestação de uma cultura favorável ao exercício pleno das pessoas que a compõe, sabendo que não podemos considerar a pessoa sem levar em consideração sua vocação espiritual/existencial. Diante disso podemos levantar uma série de questões, que trabalhadas, tornará nosso juízo mais lúcido, a saber:
.
. Vê-se em nossa sociedade, com as suas diversas instituições, pessoas exercendo seus dons, sua vocação? Em outras palavras, as instituições integrantes de nossa sociedade, favorecem o exercício vocacional das pessoas que a compõe?
. As pessoas que exercem atividades em nossa sociedade, da alta direção, àquela considerada menor das atividades, atuam como exercício de sua aptidão ou vocação existencial, ou são enquadradas para executar tarefas, sem ter nenhum vínculo afetivo/vocacional com o exercício a que são levadas a desempenhar?
. As tarefas consideradas mais simples são valorizadas como tarefas fundamentais para o bom andamento social, ou são desqualificadas, levando ao prejuízo aquele que a executa?
. As pessoas são tratadas como pessoas, ou são distinguidas pelo título que carregam ou pelos bens que ostentam?


A desordem estabelecida é a legalização da incoerência e da desorganização em qualquer instituição, sendo ela Estatal ou privada. É o sistema que institucionaliza práticas e meios que agridem a sociedade, ou cada pessoa, caotizando as vivências pessoais. Portanto, quando percebemos a miséria convivendo ao lado fartura extremada, estamos a observar aspectos da desordem estabelecida, isto é, um sistema político ou institucional que legitima a má distribuição de renda e o privilégio de poucos contrariamente aos interesses e necessidade da maioria.

Não é apenas no âmbito socioeconômico que a desordem estabelecida é percebida. O uso da força, que tem por finalidade abafar a necessidade de liberdade, que possibilita a vivência da pessoa humana, libertando-a da sujeição que caracteriza o sujeito, homem sem vontades e opinião, configura-se como instrumento legal da desordem estabelecida. João Bènard da Costa, em nome do grupo personalista português que se expressava através da Revista “O Tempo e o Modo” inspirado na Revista Esprit, falando sobre a história do movimento, e de sua luta contra a desordem estabelecida, escreveu:

"A história de O Tempo e o Modo pode contar-se de duas maneiras: uma, mais comezinha, dirá que, em 1958, António Alçada Baptista, um pouco mais velho do que o restante grupo fundador, encontrou um grupo de católicos que, nesses anos, concluíam os estudos universitários e participavam na Acção Católica em lugares de destaque na hierarquia dela. Todos tinham sido membros da JUC e todos tinham feito o jornal desta, o Encontro. Daí, que tenham ficado com o bicho do jornalismo e que tenham começado a sonhar com um órgão de expressão que vinculasse a ruptura que eles próprios assumiam, desde 1958, com aquilo que Emmanuel Mounier chamava “a desordem estabelecida” e que, no caso português, tomou a forma do regime salazarista. Desde 1958, faziam parte de uma incipiente oposição católica que, nalguns momentos mais agudos, se manifestava em documentos colectivos que não reuniam mais do que 45 nomes, 45 pessoas que ousavam dar o nome para lutar contra o regime e pagaram por isso.
(...) Éramos seis: António Alçada Baptista, Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, Mário Murteira e eu. Tínhamos todos acabado a Universidade, como já disse, e tínhamos como modelo a revista Esprit, fundada em França em 1932 por Emmanuel Mounier. Como tínhamos por referência o personalismo cristão do mesmo Mounier. O primado da pessoa humana e da eminente dignidade desta, o diálogo, a luta contra a desordem estabelecida, a recusa de perspectivas confessionalistas, certos de que só no diálogo com não-crentes podíamos lançar as bases do que o próprio Mounier chamou “a esperança dos desesperados”.
“(...) O Tempo e o Modo” representou essa luta contra a desordem estabelecida, a instigação ao estabelecimento duma democracia ou à luta por ela, um diálogo novo. Sobretudo um estilo novo, uma maneira de escrever, de pensar e de dizer coisas que entravam em choque com muitos dos valores estabelecidos."(1)

No texto em destaque, João Bénard da Costa salienta que o grupo envolvido com a revista O Tempo e o Modo aderiu a luta contra a desordem estabelecida, que em Portugal se configurou como regime salazarista, um regime antidemocrático, que como tal, um regime que fazia da força sua principal característica, a fim de impor em Portugal, o estabelecimento de uma sociedade impessoal e submissa.

Porém, Mounier, quando aborda a vivência social ou institucional, não reprova apenas a desordem estabelecida, reprova também o que trata com ordem imposta, outro termo que em Mounier ganha uma forte e distinta significação. Comentando sobre o estabelecimento do fascismo, Mounier aborda sobre a Ordem Imposta expondo a seguinte asserção:

"Assim, de um lado como do outro, vemos a independência e a iniciativa da pessoa, ou negadas, ou constrangidas nas exigências de uma coletividade, ela própria ao serviço de um regime. Os facistas, não obstante, não saem de modo algum do plano individualista. Eles nasceram em democracias esgotadas, cujo proletariado, aliás, se encontrava muito pouco personalizado. Eles são a febre e o delírio resultante desse estado de coisas. Uma massa de homens desprotegidos, e sobretudo desamparados de si próprios, chegaram a esse ponto de desorientação em que só lhes restava um único desejo: A vontade, frenética à força de esgotamento, de se desembaraçarem da sua vontade, das suas responsabilidades, da sua consciência, depondo-a nas mãos de um Salvador que julgará em lugar deles, deliberará em lugar deles, agirá em lugar deles. Nem todos são, certamente, instrumentos passivos desse delírio, que, chicoteando o país, despertou energias, suscitou iniciativas, elevou o tom dos corações e a qualidade dos atos. Mas isso é apenas uma efervescência de vida. As opções derradeiras, as únicas que forjam o homem na liberadade, permanecem à mercê da coletividade. A pessoa é espoliada: já o era na desordem, é-o agora, por uma ordem imposta. Mudou-se de estilo, não de plano."(2)

Por ordem imposta, Emmanuel Mounier identifica todo, ou qualquer sistema social, em que são negadas as exigências da pessoa, sua autonomia e independência, em favor de demandas coletivas ou em prol da efetivação de um regime estabelecido por forças absolutistas, seja ele político, econômico ou religioso. Todo regime que se impõe, suprimindo a participação autônoma da pessoa, se caracteriza como uma ordem imposta. Se formos mais rigorosos na descrição do regime destacado por João Bénard da Costa -, o regime salazarista -, podemos, também, caracterizá-lo, se apropriando dos termos mounierianos, além de uma desordem estabelecida, como uma ordem imposta.

Portanto, qualquer pessoa que abafa suas dúvidas para não se chocar com um dogma, está a se submeter a uma ordem imposta. Qualquer homem ou mulher que prefere ignorar injustiças praticadas contra sua pessoa, ou contra outras pessoas, por qualquer instituição, seja ela estatal ou privada, quaisquer que sejam os motivos, está submetendo-se a instituição de uma Ordem Imposta.

Assim como a desordem estabelecida, a ordem imposta violenta a pessoa, pelo fato de ir contra a sua autonomia e sua vivência efetiva. Toda constituição Nacional, inter-nacional ou de qualquer instituição, que não abarca as reais necessidades da sociedade humana, e estabelece leis estranhas a consecução da comunicação da pessoa e de sua vivência integral, é produto de uma Ordem Imposta, como o foi os nazismo e os vários fascismos travestidos em diversos modelos, e arregimentando por diversos temperamentos na pele de sujeitos como: Benito Mussolini (29/07/1883 - 28/04/1945); Adolf Hitler (20/04/1889 - 30/04/1945); António de Oliveira Salazar (28/04/1889 - 27/07/1970); General Francisco Franco (04/12/1892 - 20/11/1975), estabelecida por ditaduras que aviltaram sociedades, como, por exemplo, as ditaduras sul americanas, norte coreana, leste europeias, ou ditaduras religiosas, a exemplo das que norteiam a maioria das nações do Oriente Médio, e demais ditaduras que se impôs, e ainda impõem sobre determinados povos, regimes que não se harmonizam com a liberdade de expressão, autonomia e que por conseguinte, entram em choque com a as necessidades de cada ser que aspira a vivência efetiva e integral de sua pessoalidade.

Em suma, estar debaixo de qualquer sistema que violente a vivência da pessoa integral, é estar, ou submetida ao caos da desordem estabelecida ou ao peso de uma ordem imposta.
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Lailson Castanha
______
(1)http://www.antonioalcadabaptista.org/projectos/otempoeomodo.html
(2) Mounier, Emmanuel. Manifetos ao serviço do personalismo.Lisboa: Livraria Moraes editora. 1967.
Foto: Favela de Paraisópolis, separada pelo muro de um condomínio de luxo no bairro do Morumbi.
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